30 janeiro 2007

Cinema: Os esquecidos da cidade


Na Folha de Pernambuco de hoje:
Novo filme pernambucano, o curta “O Caso da Menina”, é uma adaptação de um conto de Marcelino Freire

No momento em que se lê esta matéria, um novo filme pernambucano está em gestação. Mais precisamente, o que acontece no escritório da produtora Pixel, no bairro dos Aflitos, é a edição do curta-metragem “O Caso da Menina”, de Tuca Siqueira, cujas gravações aconteceram durante a última sexta-feira e domingo.

Inspirada num conto pertencente ao livro “Angu de Sangue”, de Marcelino Freire, Tuca vai retratar o encontro de Conceição, uma menina de rua, de 15 anos (interpretado por Jaqueline Santos, de 21 anos) com o servidor público Samuel (Jones Melo). Desse encontro, à noite, numa parada de ônibus da avenida Guararapes, surge o leitmotiv dramático da história, quando a menina oferece seu bebê, recém-nascido, para Samuel criar.

No intervalo das primeiras tomadas, feitas no Arquivo Público da rua do Imperador Pedro II, local onde Samuel trabalha, Tuca explicou o porquê de escolher “O Caso da Menina” para compor como sua primeira ficção no cinema. “O conflito urbano me interessa muito e, quando li a história, vi uma possibilidade visual muito rica. O conto consiste essencialmente de diálogos, então, foi preciso um trabalho extra para fazer a adaptação”.

Na adaptação, ela conta que precisou criar um novo final. “Tive total liberdade e o melhor foi receber não só a aprovação, mas o entusiasmo de Marcelino [Freire]”, recorda. “Espero captar luz, movimento e vida para o filme. Se ele tivesse cheiro, costumo dizer que seria de azedo”, revela Tuca, que também convidou Isaar (ex-Comadre Fulorzinha) para compor a trilha sonora. As filmagens, originalmente, estavam marcadas para acontecer em dezembro, mas o compromisso de Jones Melo com a microssérie “Quadrante”, dirigida por Luiz Fernando Carvalho para a TV Globo, fez adiar as gravações do curta-metragem.

Caracterizado como o burocrata Samuel, por trás de um mesa abarrotada com pilhas de papel e carimbos, Jones Melo elogia a sensibilidade de Tuca. “Havíamos trabalhado juntos no projeto Aprendiz em Cena, na peça ‘Corpo Corpóreo’, sobre a qual ela criava e projetava videografias”. A respeito de seu personagem, o ator diz que já vinha conversando há um ano com a diretora.A inspiração para a composição veio da obra de Kafka e de “Diário de Um Louco”, do russo Gógol. “Samuel é um sujeito limitado, neurótico. Ele conversa com os objetos e com a própria escrita, e tem a mania de colar recados para ele mesmo na parede”. Essa mania, a propósito, é do próprio Melo, descoberta por Tuca quando o visitou em sua casa. A diretora não só agregou esta peculiaridade a Samuel como também definiu que a residência do ator, atualmente em reforma, também serviria de cenário como a residência do personagem. Em seu vigésimo filme, Melo se diz feliz com a experiência de conhecer os tantos estilos diversos de direção.

No outro extremo da sala do Arquivo Público, a estreante Jaqueline Santos observava tudo quieta e muito atenta. Escolhida entre 45 meninas, a moradora da comunidade Ilha de Santa Terezinha, no bairro de Santo Amaro, foi selecionada depois de uma bateria de testes com vídeo e entrevistas através de um concurso na ONG “Adolescer”.

A respeito de Conceição, Jaqueline diz que “seu humor varia bastante e me inspirei nas meninas precoces da minha comunidade”. Revela, ainda, que no início das filmagens ficava nervosa. “Mas Jones me ajuda muito e agora estou mais tranqüila, sem me preocupar tanto com o texto”. Sobre a experiência de atuar, o mais agradável, diz, “é estar cercada de gente que me dá tanta atenção”.

“O Caso da Menina”, com produção da Plano 9 e D7 Filmes, além da Pixel, teve recursos levantados por intermédio do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), aprovado pela Prefeitura do Recife, em 2005. O aporte levantado foi de apenas R$ 15 mil, o que faz do curta mais um trabalho entre amigos - que inclui Altair Paixão na fotografia, pilotando a câmera digital Panasonic DVX-100 (24p), e Osman Assis captando o som.

“Quero já em fevereiro correr atrás de recursos que possibilitem fazer o transfer da versão digital para película”, anuncia a diretora. E a julgar pelo seu trabalho audiovisual mais conhecido, “Homine: Costurando Identidade Urbanas” (2003), que é um preciso e delicado olhar feminino lançado no comportamento masculino dentro do universo urbano, há de se esperar de “O Caso da Menina” uma obra especial na atual filmografia pernambucana.
(Por Luiz Joaquim).

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