22 dezembro 2007

Um belo artigo sobre a obra de Hermilo

Hermilo e os caminhos da solidão*
Juareiz Correya

"...Quem desse as costas para o rio veria a campina imensa a perder de vista, juntando-se com o céu que o sol de verão interminável transformava num azul claro de não se suportar.

Uma ou outra árvore, a espaços, acentuava ainda mais aquela solidão áspera." (transcriação do trecho inicial do romance Os caminhos da solidão).

Desta forma, o pernambucano Hermilo Borba Filho inicia o seu primeiro romance, e é assim que nasce a sua cidade natal - Palmares -, centro econômico e cultural da região mata sul de Pernambuco, a matriz definitiva de toda a sua obra ficcional. Publicado, em 1957, pela José Olympio Editora, do Rio de Janeiro (RJ), e reeditado, em 1987, pela Editora Mercado Aberto, de Porto Alegre, em co-edição com a Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, da sua Palmares, o romance Os caminhos da solidão completou, neste ano de 2007, o seu cinqüentenário de publicação. Ainda pouco lido e, hoje, quase desconhecido, esse livro (como é o caso de toda a sua criação ficcional produzida a seguir, os 6 romances, a trilogia de contos e uma novela), é obra madura de um escritor completo, amostragem germinal de tudo o que ele ainda iria escrever, nas duas décadas seguintes, a partir do universo de uma única cidade - Palmares -, dimensionando e redimensionando o homem do Nordeste.

No livro "A palavra de Hermilo" (CEPE-Companhia Editora de Pernambuco, Recife, 2007), ele revela, em uma das entrevistas, que "há o Nordeste de Gilberto Freyre, o de José Lins do Rego, o de Graciliano Ramos, o de Ariano Suassuna. É natural. Eu mesmo estou descobrindo outro Nordeste. Agora, neste meu romance da Hermilo e os caminhos.../ 2 mata sul...", e, mais adiante confessa que a sua literatura traduzia "o espírito, a linguagem, o tom de uma determinada região: a zona da mata sul de Pernambuco."

Isto Hermilo faz, de forma consciente e incontestável, desde esse primeiro romance publicado, em cujas páginas a sua cidade natal nasce, numa construção cinematográfica, em crescendo dramático, por meio deuma narrativa que projeta tragédias individuais no palco panorâmico dos sonhos coletivos. A família Monte, o padre, os índios, os senhores de engenhos, a política, a emancipação da vila, o trem-de-ferro e a primeira estação ferroviária da região, os papéis definidos das figuras que constituem a mitologia rurbana da cidade, tudo é revelado pelo poder criativo do romancista que constrói, num plano arrojado, realista e futurista, estruturado como uma arquitetura cinematográfica, a cidade dos Palmares, personagem central de todo o romance Os caminhos da solidão.

"Palmares é a minha marca para toda a vida", diria Hermilo, mais tarde, depois de publicar os seus romances, contos e novelas, um conjunto de obras onde quase tudo é Palmares, e ele acentua, "com a sua gente recriada, eu mesmo recriado, confundindo os vivos com os mortos, não importa, tudo é vivo enquanto eu viver, e mesmo depois que eu não mais viver, nos meus livros, prolongo o tempo do esquecimento."

No romance Os caminhos da solidão , Hermilo começa a narrar a epopéia da sua cidade, uma imemorial Palmares que ele faz viver, no sangue vivo das suas palavras, com imaginação desmedida e um poder de síntese profundamente poético, como um deus senhor da sua criação. Palmares é um ser vivo que nasce, cresce e vai se transformar, em toda a sua obra criada, no princípio e fim do Homem-Hermilo, do Múltiplo-Hermilo, a cidade é sua gênese e seu apocalipse, e ele, sendo a humanidade da sua própria terra, se projeta e se multiplica por vários caminhos da sua criação, Hermilo e os caminhos... / 3 sendo um só, como Hermilo, e um ser coletivo, como a própria Palmares.

Ler o seu livro é ir mais além do que revelam os versos luminosos de Carlos Pena Filho sobre a cidade do Recife; é compreender que uma cidade não é só a invenção dos sonhos dos homens, mas o próprio sonho que inventa os homens.
* Artigo publicado no Diário de Pernambuco

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