10 junho 2008

De Nagib sobre Ascenso


A dimensão exata
Nagib Jorge Neto*
Publicado no Blog do Noblat

Nas letras, nas artes, há sempre veredas, trilhas, para ousar e inovar. E pode pintar um estado de graça, ou de caos, que exige talento, poder criativo, para encontrar e seguir um caminho, largo ou estreito, simples ou complexo. Na aventura, o desafio de captar a dimensão do ambiente e da vida, de imagens e mensagens, de símbolos e significados. Então se aprofunda a percepção das formas, linguagens, que contribui para uma versão inovadora, precisa, enriquecendo a visão da obra de arte, com sua realidade e fantasia.

Essa busca do novo, da beleza, é a tônica do estudo de Valéria Torres da Costa e Silva, que fez a introdução dos poemas de Ascenso Ferreira, lançada pela editora Martins Fontes. A edição da obra, sob o título de Catimbó, Cana Caiana e Xenhenhém, é a segunda feita a nível nacional, pois a primeira saiu pela José Olímpio, em 1963. As outras edições foram feitas em Pernambuco, iniciativa do poeta Juhareiz Correya, e de Lourdes Medeiros, viúva de Ascenso.

Na edição de agora, o trabalho de Valéria Torres funciona como uma espécie de fantasia exata, como diria Franklin de Oliveira, feita com a força do relato denso, conciso, e da carga de emoção e sentimento. A tentativa é positiva na busca de desmontar o discurso centrado em Ascenso como figura “descomunal”, animada, folclórica, e não como homem culto, artista, com talento para captar a diversidade do universo de matas, agrestes e sertões do Nordeste.
A força do antigo discurso, rompido apenas por Mário de Andrade e Manoel Bandeira, “acabou enviesando e restringindo a recepção de sua poesia”, pois poeta e poesia “tornaram-se presas da armadilha do pitoresco”, afirma Valéria Torres que questiona a ausência de sugestão de chaves de leitura, de portas de entrada para seu universo poético. Ela destaca a “diversidade de temas, perspectivas sobre a realidade e formas de expressão, muitas vezes ocultas sob a superfície do folclore, do pitoresco e do regional”.

Daí constata que “o poeta parte das formas populares, mas apenas para brincar livremente com elas”. Ou vai além com temas “que respondem a inquietações, dilemas e expectativas produzidos pelos processos de modernização” bem como “remetem ao cotidiano, em que se desenrolam os dramas humanos, particulares e coletivos, e às alegrias e dores de amor, cegas a distinções de classe, sexo, raça ou lugar”.
Nessa linha, examina a poesia de Ascenso sob uma ótica ampla, uma dimensão exata, ou seja: “a cultura brasileira ou regional, embutindo, na maior parte dos casos, uma crítica à modernidade; o olhar sobre o cotidiano, que tanto se associa a reflexões filosóficas como à crítica social ou registro satírico de costumes; o amor, algumas vezes associado a uma semântica do sagrado, com alguns poemas que desenvolvem uma relação entre o erótico e o sagrado”.

No conjunto dos poemas – Catimbó, Xenhenhém, Cana Caiana – a amplitude do popular, do moderno, visões dos dramas da terra, da seca, dos costumes, do amor e do erotismo, presentes em “imagens, cenas, expressões, estribilhos, crendices, linguajar”. Ou ainda no formato de pequenas estórias, com graça, crítica e denúncia, numa síntese que toca “todas as cordas da sensibilidade humana, delas tirando acordes de dor e alegria, que podem fazer sofrer, gozar, encarar paradoxos e limitações, e fantasiar”.

A narrativa de Valeria Torres envolve e comove, é convincente e favorece a compreensão e dimensão da poesia de Ascenso Ferreira, que se “alimenta da ternura e da paixão de viver do poeta, da vida com suas cores, cheiros, sabores” enfim um convite para “experimentar a realidade e a fantasia, a viver o gozo da comunhão da carne e a dor da desaparição ou da morte”.
* Jornalista e escritor.
Ilustração do site Pernambuco de A-Z www.pe-az.com

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