01 agosto 2008

A internet e a língua

No Jornal do Commercio:
Revolução tecnológica
Nelly Carvalho

De acordo com Umberto Eco, as pessoas podem ser classificadas em apocalípticas e integradas, pela forma como aceitam ou não as mudanças sociais. Apocalípticos seriam os que não aceitam e os integrados seriam os que aceitam sem questioná-las. A comunicação via internet suscita muitas discussões em torno de sua forma de uso, ensejando posições que podemos julgar apocalípticas, no que se refere ao uso de abreviaturas e siglas e outras novidades, como figuras e grafias inovadoras, nos chats, nos blogs e e-mails. No entanto, são inerentes à língua os processos de economia lingüística que resultaram em cine, pneu, foto, cd, quilo e você, entre outros. Um dos maiores lingüistas da atualidade, o irlandês David Crystal, abordando a linguagem da internet, tem posição oposta, aceitando como natural e previsível a mudança. Absolutamente integrado, Crystal estuda esta linguagem sem lançar nenhuma sombra de preocupação sobre a permanência das palavras e seu significado, explorando sobretudo a idéia de que a internet é uma forma nova de comunicação que fez uma revolução na linguagem. Argumenta Crystal que a comunicação mediada pelo computador tem características diferentes da fala, mesmo nos e-mails, porque não tem o retorno instantâneo do face a face. São mensagens completas, unidirecionais, sem a ajuda da entonação, nem da expressão facial, sendo muito mais lenta na troca de informações do que a fala. Porém, o que mais nos interessa é sua diferença em relação à escrita, pois na simplificação que acarreta, residem as preocupações. A diferença de uso está na estabilidade da escrita: o texto impresso é estático, enquanto uma página da web pode variar a cada busca. Quanto aos e-mails, o estudioso lembra a mobilidade de sua forma, a facilidade de modificá-los e/ou encaminhá-los a outro, as possíveis ligações com outros textos (link). Os possíveis erros de digitação também não levam a concluir, como na escrita convencional, que o emissor não sabe escrever. São produtos da pressa, logo deletados, são passageiros e voláteis. Os efeitos na língua desse novo meio são duplos: inicia uma mudança no caráter formal e possibilita maior utilização da escrita. São inúmeras abreviações usadas (tb, vc, q, bjus) e a falta de maiúsculas e de acentos surpreende o falante de português. A ortografia fora do padrão, condenada na escrita convencional, é usada sem sanções em ambientes de conversa.

A aparente falta de respeito pelos padrões da escrita está preocupando muitos, prevendo-se que as crianças não saberão escrever no futuro, pela quantidade de modificações usadas. Contudo, abreviaturas sempre foram usadas na língua, sem terem interferido para dificultar a comunicação. O único cuidado a ter, é que estas sejam usadas apenas na comunicação via computador e não sejam adotadas na escola. A língua tem determinados registros que devem ser respeitados. Não levamos para uma ocasião formal a linguagem das ruas: é um fato intuído por qualquer falante. Um vocabulário novo, que tem como fonte o inglês, também está entrando para as línguas em geral através da internet. Nomeiam situações, operações e atividades restritas ao computador e alguns termos entraram no domínio geral. A internet não usa uma linguagem cifrada, mas diferente, de acordo com o meio recém-criado. É mais que um agregado de características da fala e da escrita e porque faz coisas que nenhum desses outros meios faz. Tem que ser vista como uma nova forma de comunicação que gerou sua própria linguagem, com regras exclusivas e não uma escrita anárquica numa visão apocalíptica. Este é um avanço tecnológico cujo alcance não podemos medir, nem projetar.
* Nelly Carvalho é professora da PG de Letras da UFPE.

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