26 março 2009

Meu artigo semanal no site da Revista Algomais

Duas faces do plano de habitação
Luciano Siqueira

O governo anuncia o seu plano de habitação como parte das medidas anti-crise. Prevê um investimento total de R$ 34 bilhões na construção de 1 milhão de casas, dos quais R$ 16 bilhões serão destinados à redução do déficit habitacional da população com renda familiar de zero a três salários mínimos.

Para essa faixa da população estão destinadas 400 mil moradias a preços subsidiados, com isenção do seguro e um desembolso mensal mínimo de R$ 50 (91% do déficit habitacional do país se concentram nessa faixa, segundo o IBGE).

O plano nesse aspecto é bem urdido. As famílias com renda entre três a seis salários mínimos poderão comprometer com a prestação mensal até 20% de sua renda. Nesse caso, são mais 400 mil unidades habitacionais, correspondendo a R$ 10 bilhões.

As restantes 200 mil moradias serão adquiridas por famílias com renda de 6 a 10 salários mínimos.

Tudo bem? Quase tudo. Há duas ponderações a fazer. A primeira delas é que a iniciativa do governo, sob todos os títulos positiva, reduz ainda muito timidamente o déficit habitacional do país que é de mais de 20 milhões de unidades - sendo 7 milhões de déficit quantitativo (falta absoluta de moradias) e 13 milhões de sub-habitações.

A segunda é da lavra de duas urbanistas de reconhecida competência (e alinhamento com o governo), Raquel Rolnik e Ermínia Maricato, que atuaram no núcleo dirigente do Ministério das Cidades, no primeiro mandato de Lula, ao lado do ministro Olívio Dutra. Elas observam que o plano habitacional carece de uma estratégia fundiária e urbanística, o que pode resultar num substancial aumento no preço dos terrenos, com duas possíveis implicações: o subsídio oficial pode ser apropriado pelos donos de terras e a população de baixa renda ficar alocada em terrenos mais baratos – e, assim, apartados. Isto pode significar, na prática, a produção de “um montão de casas sem cidade, infraestrutura, emprego”, no dizer de Rolnik.

Nessa mesma linha, Maricato afirma que o governo não percebeu que a questão fundiária pode ser uma trava, considera apenas o mercado.

Não se diga que as duas estão botando “gosto ruim” na iniciativa do governo. Mas reconheça-se, sim, que suas observações críticas merecem crédito – e mais que isso, da parte do governo, atenção, zelo e mecanismos de controle contra a especulação fundiária. O que não é simples, mas é possível.

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