20 dezembro 2009

O peru de Natal e a ciência

Ciência Hoje Online, por Sergio Danilo Pena:
Em espírito festivo, Sergio Pena discute as confusões taxonômicas a que está sujeita essa ave e, a partir de uma parábola natalina, convida seus leitores a se espelharem no filósofo cético David Hume.
. Está chegando mais um Natal. É época de comer peru! De fato, a ave tornou-se para nós um dos elementos mais importantes dos festejos de fim de ano, um verdadeiro ícone.
. Em seu famoso conto “Peru de Natal” (que inspirou o título dessa coluna), o literato paulista Mário de Andrade (1893-1945) descreve com precisão uma ceia de sua adolescência: “O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso”.
Uma confusão de nomes - O peru tem tido sérios problemas de identidade ao longo dos séculos. De fato, o nome é dado a uma ou outra de duas espécies de grandes aves selvagens do gênero Meleagris nas Américas. Uma das espécies (Meleagris gallopavo), chamada de peru selvagem no seu estado natural nas florestas dos Estados Unidos e México, foi domesticada pelos astecas muito antes da chegada de Colombo e constitui o nosso contemporâneo peru de Natal. A outra espécie, Meleagris ocellata, é indígena da península de Iucatã e América Central e nunca foi domesticada.
. Com a chegada dos europeus às Américas, os perus passaram a ser vítimas de grande confusão taxonômica e terminológica. Primeiro eles foram incorretamente identificados como sendo uma espécie de galinha d’angola (Numida meleagris) que, em inglês, é chamada de guinea fowl ou turkey-cock. Esse último nome veio do fato de que, na Inglaterra, as galinhas d’angola eram importadas através da Turquia (“Turkey”). O nome desse país passou então a ser metonimicamente empregado para designar a nova ave encontrada nas Américas. A confusão é refletida no fato de que o gênero taxonômico do peru – Meleagris – quer dizer galinha d’angola em grego.
. Em outras línguas, são mais comuns referências à Índia. Isso provavelmente se deve à confusão das Américas com a Índia, que remonta a Colombo, e também a uma tendência a dar nomes de terras estrangeiras e longínquas a animais igualmente exóticos. E para os Europeus as Índias, a Turquia e a Guiné, na África, eram nomes genéricos para lugares similarmente exóticos. Assim, por exemplo, o mamífero sul-americano que chamamos em português de porquinho-da-índia (Cavia porcellus) é chamado de guinea pig pelos ingleses.
. Dessa maneira, em turco, o peru é chamado de hindi que quer dizer "vindo da Índia". De forma similar temos o francês dinde ("da Índia"), o hebraico tarnegol hodu (תרנגול הודו), que literalmente significa “galinha indiana”, e o russo indiuk (индюк), que também se refere à Índia. A palavra em holandês é kalkoen, derivada da cidade de Calicute na Índia – o mesmo ocorre em dinamarquês, norueguês e sueco.
. De forma curiosa, em grego o peru é gallopoula que significa "ave francesa" e no gálico escocês é cearc frangais, ou seja, "galinha francesa".

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