22 fevereiro 2012

A prosa poética de Luiz Otávio

Conto de Carnaval
Luiz Otavio Cavalcanti*
Ele até tentou negar. Tinha programado ler alguns livros durante o Carnaval. E reler. Carpeaux se dizia obrigado a reler a Divina Comédia todo ano. Mas o apelo insistente dos amigos foi mais forte. Há anos não ia ao Recife antigo no Carnaval. Com o tempo, tornou-se observador distante da festa. Cedeu.

Ao chegar à rua do Bom Jesus, integrou-se ao grupo de amigos. E começou a beber seu uisquinho. Black and White. Era terça feira. A multidão tomava calçada e rua. Pessoas de todas as idades, de todos os risos. Encontrou conhecidos, cumprimentou velhos camaradas, sentiu o gosto de ver e ser visto. Rua, gente, prédios, tudo formava paisagem de cores. Uma pintura moderna de Lula Cardoso Ayres. O bloco Cordas e Retalhos encerrava sua passagem.
Então, a uns cinco metros, ele a viu. Ela se encontrava em outro grupo. O mesmo jeito brincalhão, risonho. Os mesmos cabelos curtos deixando ver a nuca cheirosa e sensível, sua conhecida. O corpo, equilibrado na própria elegância, mostra doce envergadura de vinte anos atrás. Não parece ter a idade que tem. Aparenta ser bem mais jovem do que é. Tem a pele branca e morna. E o ar atento de uma garça. Os caminhos que a vida impõe a cada um os tinham afastado. Ele tinha casado e se divorciado. Ela tinha feito exitosa carreira de publicitária e não casara.

De repente, seus olhares se cruzaram. E a circunstância em volta deles desmanchou-se como um borrão. Nítidos, na paisagem, somente ele e ela. Como se provisório cineasta ajustasse o foco da lente apenas para os dois. Acenaram um para o outro, demorando-se no olhar. Uma corrente elétrica parecia prender a atenção entre eles. Em dez minutos, a distância que os separava tinha sido vencida.
A noite calorosa do Recife viu nascerem, ali, pierrô bissexto e colombina casual. Envolvidos por frevo canção de Capiba. Extraídos da multidão solitária, pierrô e colombina embarcaram no primeiro barco que deslizou, cúmplice, no Capibaribe. No céu silencioso de estrelas, estava escrito: Lua breve, lua de antiga mulher nublada, renascida em madura infância. 
* Escritor, ensaista. Ex-secretário estadual da Fazenda.

Nenhum comentário: