29 julho 2012

Planos de saúde e telefone celular: onde mora o engodo

Os vendedores de ilusões
Leonardo Guimarães Neto*


Publicado no boletim Opinião Econômica, da CEPLAN

O mercado não vende somente bens e serviços necessários ou demandados pela população. É muito frequente no capitalismo, recente e antigo, a venda de fantasias ou ilusões, com ou sem o suporte de um bem comercializado. Em determinados momentos vividos por esse regime, no entanto, a venda de ilusões fica bem mais evidenciada. Recentemente, nos anos que precederam a crise atual, a comercialização de títulos e papéis com promessas de um bom, e por vezes, excepcional futuro, com retorno das aplicações financeiras constituiu uma grande venda de ilusões que logo se dissiparam.

Quando os compradores percebem que as promessas de retorno das aplicações não se realizariam, o que se viu como peças de dominó foi, simultaneamente, com a falência dos desiludidos, a quebra da parte mais vulnerável do sistema financeiro, o qual, por sua vez, como nova peça do jogo, derrubou o sistema produtivo, que, em continuidade, juntamente com o sistema financeiro, desequilibraram as finanças dos governos que lhes prestaram socorro. Há quatro ou cinco anos que estas quedas sucessivas de peças do dominó se realimentam, em combinações mais complexas, sem que as políticas de austeridade ou as agendas de crescimento impeçam o agravamento da crise.

No Brasil, nas últimas semanas duas manifestações de venda e comercialização de ilusões ou fantasias passaram a ter o reconhecimento da sociedade. A primeira refere-se à atividade das operadoras de seguro-saúde que se valeram do movimento de migração dos usuários da saúde pública (que entendem ser de baixa qualidade) para a cobertura através do seguro que, imaginavam, resolveriam, para sempre, seus problemas de atendimento médico mediante o pagamento de mensalidades geralmente pesadas em relação à sua renda média. A melhoria da renda no país e, sobretudo, nas regiões economicamente mais atrasadas, que permitiu essa migração, foi percebida pelas operadoras sedentas de ganhos fáceis e que venderam os serviços que não tinham nem podiam oferecer. Para que se tenha uma ideia desse processo, dados da Agência Nacional de Saúde Complementar mostram que no país a cobertura das pessoas com seguro-saúde passou de 17% em 2004 para 25% em 2012, registrando um crescimento a uma taxa anual de 5%. A Região Metropolitana do Recife, entre março de 2002 e março de 2012 registrou um crescimento do crescimento dos usuários de 6,1%, que, certamente, não foi acompanhado pelo crescimento das unidades que prestam serviços de saúde.

A cobertura pela imprensa sobre as crescentes dificuldades dos usuários desses serviços de saúde pagos foi seguida, mais recentemente pela cobertura a respeito dos serviços de telefonia móvel. Neste caso, a comercialização de ilusões e fantasias foi interrompida pela ação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que suspendeu as vendas das empresas que mais receberam reclamações pelos serviços prestados. Entre 2007 e 2011 a denominada base de celulares cresceu de 123 milhões para 243 milhões, o que significa uma expansão anual de 18,6%. As reclamações passaram de 670,7 mil, em 2009, para 892,4 mil em 2011. No ano de 2012, até março, elas já alcançavam 260,6 mil. Neste caso a busca de lucros fáceis teve como presa, igualmente fácil, as famílias que tiveram seus rendimentos aumentados em decorrência do crescimento da economia e do emprego e puderam ter acesso a uma ou mais linhas de telefones celulares. Some-se a isto a disseminação das redes sociais e as inovações incorporadas aos aparelhos que ampliaram a busca de novas linhas telefônicas e o uso intensivo dos celulares.

No caso específico dos serviços de saúde, vale enfatizar um determinante da maior relevância da busca crescente da população por serviços de saúde pagos através de seguro, que reside na reduzida dimensão da cobertura dos serviços públicos de saúde e na sua baixa qualidade.  Disto decorre uma grande insegurança da população que diante das grandes filas e demoras para consultas, exames e cirurgias, migra, quando pode, para os serviços pagos e pode tornar-se vítima da armadilha de planos de saúde. Nestes casos a população fica no meio de uma dupla ilusão: a dos governantes que prometem a inclusão dos eleitores e suas famílias nos serviços públicos de qualidade, e a das operadoras que, através de publicidade enganosa, vendem os serviços de saúde que não podem oferecer.
Leonardo Guimarães Neto é economista e sócio da CEPLAN 

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