31 janeiro 2013

Para a inserção soberana comum

No Vermelho, Por Moara Crivelente:
Lula convida América Latina a criar “doutrina de integração”


O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez o discurso de encerramento da 3ª Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo na noite desta quarta-feira (30), em Havana, Cuba, e reforçou que a América Latina deve levar a proposta de maior integração regional além das reuniões e discursos.

Entre os dias 28 e 30 de janeiro foi realizada a Conferência Mundial que comemorou o 160º aniversário de nascimento de José Martí.

O ex-presidente Lula iniciou o discurso de encerramento do evento pedindo um minuto de silêncio pelas vítimas da tragédia de Santa Maria (RS). Depois, descontraído, Lula referiu-se a Hugo Chávez, dizendo estar usando uma guayabera vermelha em homenagem ao presidente venezuelano.

Durante os trabalhos finais da conferência, o ex-presidente propôs a criação de uma “doutrina de integração que sistematize desde o ponto de vista intelectual” tudo o que se tem debatido a respeito. Lula se referia à necessidade de levar a proposta de maior integração regional além dos discursos e reuniões, “pois se trata de um processo que pode mudar a história da América Latina”, afirmou. A rede venezuelana Telesur disponibilizou em sua página, o vídeo integral com o discurso do ex-presidente.

Lula foi descrito por Armando Hart, diretor do Escritório do Programa Martiano e presidente do comitê organizador da conferência, como alguém firmemente comprometido com a democracia, com a redução da pobreza, com o combate à fome e com a erradicação da miséria. Foi também caracterizado pelo diretor de “figura-chave do processo de integração que vive hoje Nossa América”, capaz de representar “o compromisso de José Martí com os pobres da Terra”.

EUA e América Latina

O ex-presidente fez uma série de reivindicações, em especial aos EUA, para que este país mude a sua política externa para a América Latina, principalmente no tocante ao bloqueio contra Cuba, que só subsiste graças à “teimosia” norte-americana, ao “atrevimento de quem não reconhece que perdeu a batalha”. Ainda afirmou que o país tem “ouvidos moucos” quando se trata dos problemas “da nossa querida América Latina”, mas disse que é otimista, que crê “cegamente” e espera que os EUA tenham um olhar diferente para a região ainda durante o mandato do presidente reeleito Barack Obama.

Lula afirmou que o mundo atual exige o aprofundamento da democracia e precisa continuar avançando nas relações internacionais, o que contribui para os esforços de integração regional que devem ser intensificados. Uma das propostas levantadas pelo petista foi a “revolução na comunicação”; o tema, principalmente aliado à problemática dos monopólios midiáticos, já está em debate através de sucessivas propostas para as Leis de Meios e para a democratização e outras regulamentações da mídia.

Ainda, disse acreditar que o tratamento midiático dispensado à esquerda, tanto no Brasil quanto a líderes como o presidente boliviano Evo Morales e o venezuelano Hugo Chávez, deve-se à “ira” pelo sucesso das políticas socioeconômicas. “Quem iria imaginar que um índio, com cara de índio, com jeito de índio e com comportamento de índio poderia governar a Bolívia? E dar certo!”, indagou Lula. O ex-presidente contou de reuniões que manteve com Evo, “que queria estatizar todas as empresas brasileiras que atuavam na Bolívia”; disse: “a direita brasileira queria que eu brigasse com o Evo”. Continuou: “eu não consigo entender como é que um metalúrgico de São Bernardo do Campo, do Brasil, pode brigar com um índio da Bolívia? Se fosse com o Bush, se fosse com a Angela Merkel... mas com Evo? Era a última coisa que eu faria no mundo”.

Ao falar, com carinho, do presidente Chávez, desejando-lhe melhoras e pronta recuperação, a audiência da conferência interrompeu-o, levantando-se para aplausos e manifestações de apoio. Lula havia se reunido com Chávez, com o ex-presidente e líder revolucionário Fidel Castro, e depois com o presidente Raúl Castro, o que, segundo ele, poderia justificar seu ligeiro atraso.

Ele contou que conheceu Fidel Castro em 1980, quando esteve na Nicarágua, no contexto da Revolução Sandinista, e reforçou os seus laços de grande amizade com o líder e a sua admiração pelo povo cubano, principalmente pela defesa da sua dignidade e soberania. Mencionou ainda os cinco cubanos, agentes da inteligência cubana, encarcerados nos EUA desde 1998, sob pesadas acusações de espionagem, lembrando que a situação foi tema de uma de suas visitas ao país norte-americano, ainda governado por George W. Bush. Porém, a América Latina parece não despertar o interesse que deveria ao país mais rico do mundo, tão próximo desta região, que tem “condições de produzir muito mais do que muitos outros países”. Lula ressaltou que os estadunidenses só conseguiram enxergar a América Latina quando apoiaram os golpes militares que assolaram a região, na década de 1960.

Lembrou ainda que a comemoração pelos 160 anos de nascimento de José Martí combina também com os 60 anos do assalto ao Quartel Moncada, “esse movimento tão importante na história da Revolução Cubana”. A ação foi protagonizada por Fidel Castro, em 1953, para tomar as bases dos quartéis em um dos esforços por derrubar o governo de Fulgêncio Batista.

Ideais martianos - A conferência segue o rumo proposto por vários líderes latino-americanos para a maior integração regional e compreensão do contexto e dos desafios políticos e socioeconômicos com os quais é necessário lidar em unidade. A América Latina atual já vem traçando um caminho progressista importante, com conquistas fundamentais no âmbito social, político e econômico e ainda conseguiu fazê-lo criando mecanismos de integração regional e com ênfase no respeito à soberania nacional de cada país. Um exemplo é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), criada em 2011 como alternativa a iniciativas em que os EUA participam (como a Organização dos Estados Americanos). A presidência da Celac é exercida atualmente por Cuba, e a comunidade realizou recentemente um fórum entre os 33 países que a integram.

A conferência insere-se também na discussão sobre o imperialismo e a luta pela independência política e autodeterminação dos povos e nações. A profunda crise sistêmica pela qual o mundo tem passado deu ainda mais voz ao debate e às reivindicações já institucionalizadas na América do Sul pela superação da interferência imperialista, antidemocrática e militarista que ainda se verifica em outras partes do mundo, sobre tudo na África.

As lutas, que esta nova postura anti-imperialista já colocou em prática em todo o mundo, baseiam-se nos movimentos de trabalhadores e da juventude, nas lutas das mulheres, do campesinato, dos movimentos de resistência às guerras e em movimentos de libertação nacional, como ressaltado por José Reinaldo. Ainda, Frei Betto, que recebeu o prêmio José Martí, da Unesco, lembrou que o líder revolucionário foi um destacado cientista social de sua época, e que suas ideias geopolíticas têm plena vigência atualmente.

A conferência é patrocinada pela Unesco, através do Projeto José Martí de Solidariedade Mundial, e tem como principal mote a afirmação martiana “pátria é humanidade”. Para Lula, é “muito importante que uma instituição multilateral com o peso da Unesco” dê apoio a este tipo de evento. O ex-presidente ressaltou ainda que há necessidade de maior definição e eficácia do processo de unidade latino-americana.

O tipo de integração a ser almejado (cultural, econômica, física ou universitária, por exemplo), de acordo com Lula, precisa ser esclarecido. Isso “contribuiria para mudar um pouco a história da nossa querida América Latina. A integração não pode ser apenas um discurso em época de campanha eleitoral ou em reuniões de chefes de Estado”. O importante é que os participantes da conferência saíssem dela como aliados em algo novo que se queira construir, reafirmou o ex-presidente.

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