15 fevereiro 2013

Festa popular versus precariedade midiática

O ex-técnico pinguço e o carnaval televisivo
Luciano Siqueira
 
Publicado no portal Vermelho www.vermelho.org.br e no Jornal da Besta Fubana
 
O mineiro Martim Francisco, técnico nos anos 40-60, notabilizou-se por introduzir o esquema tático 4-2-4, no Vasco da Gama, em 1956, conforme reza a lenda futebolística verde-amarela. Para protesto de alguns, que atribuem o feito ao paraguaio Fleitas Solich, então treinador do Flamengo. Pouco importa, pois a lembrança do mineiro de Ouro Preto vem ao caso apenas porque, num olhar breve sobre a cobertura do carnaval na TV, me veio à mente uma ocorrência do início dos anos 70, em Maceió.

- Que tem a ver o calcanhar com a cueca?, poderia arguir quem me lê nesse estante.

Explico. Já em fim de carreira – fim mesmo! -, que o volume diário de oxidrila consumido se encarregou de antecipar, Martin Francisco foi contratado pelo CSA das Alagoas, com grande repercussão nos jornais locais e nas resenhas radiofônicas. Seria a solução para as pelejas finais do campeonato estadual. Seria, mas não foi: entre o copo e a cancha, o ex-técnico dava preferência insofismável ao primeiro. Foi dispensado, causando grande frustração à torcida alviazulina. E em mim também, que em plena militância clandestina, conferia tudo pelas ondas poderosas das rádios locais, empolgado com a vinda do mago da tática que levara o meu Vasco a vitórias memoráveis. Fiquei até torcedor do CSA por causa disso.

Mas a Rádio Gazeta não se deu por vencida. O pinguço ex-técnico, agora mais ex do que nunca, não estaria no banco do CSA, mas poderia se dirigir aos aficionados alagoanos convertido em comentarista. Acontece que no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo do clássico CSA x CRB, convidado a fazer uma observação complementar à análise do titular da matéria (não me lembro quem era), ouviu-se prolongado silêncio, uns soluços hic, hic típicos de quem já envia enchido a lata, até que o astro convidado fez o definitivo comentário, quase monossilábico: “Falta o dedo de um técnico, hic!” – sem se dar ao trabalho de explicar de qual técnico, se do esquadrão azul e branco ou do seu oponente alvirrubro, nem exatamente onde, taticamente, o tal dedo deveria ser colocado... E nada mais disse, nem foi perguntado.

Bom, e que isso tem a ver com a cobertura televisiva do carnaval? Tudo a ver, como no slogan da Globo. Nunca vi comentaristas tão pobres de ideias e tão pueris em suas conservações! “A turma está animada”, “A escola mostrou que tem dinheiro e soube gastar”, “As fantasias são impressionantes” e que tais. Análise que é bom, necas!

Para completar, repórteres de rua (é assim que se chama?), com raras exceções, se excederam na inglória arte de perguntar o óbvio ou ignorar as mais legítimas e fascinantes expressões de nossa cultura. A cada pergunta imprópria, me vinguei imaginando respostas na mesma moeda: “Você desfila por que gosta?” (Não senhora, estou aqui por penitência), “Sua fantasia está pesada?” (Nada disso, esse boneco gigante é leve feito uma pluma, quer experimentar?), “Muito calor ou você nem sente?” (Sinto nada, são quase 40 graus, mas estou morrendo de frio) e assim por diante.

Claro que mudei de canais (a bem da verdade, o festival de mediocridade não foi uma exclusividade da Globo, a concorrência marcou firme na mesma toada).

Ora, se é mesmo para desinformar – como se faz diariamente em matéria de política, economia e quejandos -, por que no carnaval seria diferente? Ainda bem que o povo faz a festa sem precisar da reportagem televisiva. Nem do dedo de um técnico para explicar a fantasia e a algazarra.

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