20 junho 2013

Uma crônica minha de abril de 2006

Batismo de fogo no Atheneu
Luciano Siqueira



Para o menino de apenas onze anos, aquilo tudo era absolutamente inusitado. E empolgante. Naquela manhã de muito calor, estava difícil mesmo acompanhar a chata aula de matemática do professor carrancudo de sotaque gaúcho. O colégio int

A massa de estudantes se deslocou inicialmente para a Praça Pedro Velho e depois para o Grande Ponto, “o coração da cidade de Natal”, como se dizia à época. Aos gritos de “Queremos transporte” e “Abaixo as novas tarifas” instalamos a algazarra. A presença da polícia militar acirrou os ânimos. Ônibus da São Domingos foram apedrejados. A polícia reprimiu. Ora nos dispersávamos, ora nos concentrávamos novamente, em movimentos alternados que duraram até o final da tarde, quando o governador do Estado, Dinarte Mariz, recebeu uma comissão de estudantes no Palácio Potengi. Após as negociações, a grande notícia: as tarifas não seriam aumentadas!


Em meio à alegria geral, uma sensação nova, quase indescritível – a descoberta do primoroso sabor da luta coletiva. E outra, que igualmente marcaria o menino para o resto da vida: a multidão reunida em torno de um objetivo comum é ótimo refúgio para os tímidos.


Só não protege os mentirosos. Pois ao chegar em casa à noitinha, dona Oneide angustiada porque o filho demorara tanto (deveria ter retornado do colégio por volta do meio-dia), o jeito foi uma história mal contada. Por que assim tão queimado do sol, o corpo suado e sujo? Tinha batido uma pelada com os primos na casa da tia Ivete. Porém, no dia seguinte, na primeira página do Diário de Natal, a foto de um garoto magrinho, calça escura e camisa branca, um fumo no ombro esquerdo (sinal de luto pela morte recente do pai), arremessando uma pedra num ônibus punha por terra a falsa versão...

Daí em diante lutar tornou-se a própria razão de viver. E a ação coletiva uma estratégia de sobrevivência, não apenas pelas bandeiras alevantadas ao longo da vida, mas como meio de escamotear a timidez insuperável que permanece impregnada na alma e no jeito de ser.

Ficou também o orgulho de ter sido aluno do velho e aguerrido Colégio Estadual do Atheneu Norte-Riograndense. A lembrança do grêmio estudantil Celestino Pimentel. Impressões difusas sobre os líderes daquele movimento. Um deles atendia pelo apelido de Pecado. A tênue consciência imatura, no entanto, não fixou as idéias que defendiam – apenas a noção de que aquela luta não fora em vão, alcançara êxito. Belo batismo de fogo para quem jamais sairia das ruas, até hoje.

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