04 novembro 2013

Por que não ele?

Flávio Caça Rato na final da Copa
Luciano Siqueira



Claro que a ideia não vingará. Flávio Caça Rato é fenômeno pernambucano, longe da ribalta nacional. Além disso, a convocação dos 22 jogadores que formam a seleção brasileira é algo muito complexo, que exibe uma face pública, dissimulada; e uma face subterrânea, marcada pelo jogo de interesses que ultrapassa em muito a vontade dos cartolas e os humores das torcidas. A presença de determinados nomes na lista tem a ver com patrocínios milionários, envolvendo negociatas de todo tipo. 

Hoje a coisa está muito mais cabeluda do que no tempo em que o ditador general Médici exigiu a demissão do técnico João Saldanha, comunista, crítico do regime militar, substituído pelo dócil Zagalo; e a inclusão do centroavante Dario, o Dadá Maravilha, assim alcunhado pelo próprio. O poder agora literalmente não está na boca do fuzil, vem de outras fontes, tais como as centrais de marketing da Coca-Cola, da Adidas e de outros poderosos patrocinadores globais.

Mas, por que sabendo disso tudo, esse modesto torcedor bissexto acaba de postar no Twitter e no Facebook a sugestão de se convocar Flávio Caça Rato para a seleção canarinho que vai encarar a Copa do Mundo, quase que com a obrigação de vencer? 

Por duas razões.

A primeira, epidérmica e imediata, brota da emoção de domingo último, quando mais de 60 mil torcedores explodiram de alegria quando nosso herói entrou em campo na metade do segundo tempo; e foi ao delírio quando ele marcou o gol decisivo nos últimos minutos da partida, cabeceando com a elegância e a eficiência de um Pelé. O grito de gol e de liberdade, após seis anos de humilhação nas séries D e C, tornou definitiva e total a identificação do torcedor que sofre na arquibancada (tal como peleja no cotidiano pela dura sobrevivência) com o atleta que traduz, na aparência física e no modo de guerrear em campo, a origem que inspira seu apelido.

Flávio Caça Rato encarna a simplicidade guerreira do pedreiro, do marceneiro, do gari, do vendedor ambulante, do comerciário, da mulher que busca um lugar no mercado de trabalho para garantir o sustento da família; da juventude da periferia que quer se afirmar, da turma do pagode nos fins de semana e do hip-hop. Dai o fenômeno: longe de ser um craque, é o grande ídolo da torcida.

A outra razão da minha proposta se apóia no mais puro saudosismo. Fui torcedor apaixonado pelos meus times do coração - em Natal, onde nasci e vivi até o meio da adolescência, o América; no Recife, o Clube Náutico Capibaribe - e da seleção brasileira. Do América, jamais esqueci uma goleada de 5 X 0 no rival mil vezes mais popular ABC. Do Náutico, pertenço à geração do hexa-campeonato. Tempo de Nado, Bita, Ivan, Salomão. 

Hoje mal acompanho pela TV o campeonato local. E a seleção só me interessa em competições oficiais.

Por isso sinto uma saudade danada do tempo em que o Brasil trazia no seu elenco um craque-talismã feito Garricha. Sinto saudade do futebol espetáculo. Sinto falta da alegria e da emoção de antigamente. Do tempo em que o escrete verde-amarelo era a Pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues.

Flávio Caça Rato é povo, genuinamente povo. Garanto que iria em todas divididas. Desajeitado, mas esperto. Simplório, porém alegre e destemido. 

Existiria maior emoção do que na partida final da Copa do Mundo, ter o gol da vitória e da redenção do nosso maltratado futebol feito por ele? 
 

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