13 janeiro 2014

Uma crônica para descontrair

Lula Cardoso Ayres
Sorriso de festa
Luciano Siqueira


Desde que a Humanidade evoluiu para o estágio assim considerado, foram-se criando, nas mais diversas culturas mundo afora, as chamadas convenções. Para o bem ou para o mal. Para o prazer ou para o desprazer. O fato é que a gente se sente na obrigação de adotar determinado comportamento em tal ou qual situação. Para não sair da linha, dizia-se quando eu era menino. Para não fugir ao politicamente correto, anotava-se até bem pouco tempo.


O convencional se estabelece com o status de mediação do comportamento humano, para que possamos de fato agir como civilizados, e não como bárbaros. Mas em geral é de uma chatice sem tamanho - o que termina atrapalhando a vida, enquadrando-a indevidamente. E tornando forçado o modo de sentir e expressar nossas emoções.


Quando o sujeito mantém a carranca no âmbito de uma festa, logo é notado e, de certo modo, marginalizado. Afinal, não se sabe o porquê daquela expressão de mau humor, ou mesmo de tristeza, quando todos se confraternizam e a alegria é geral.


Foi assim que no correr de milhares de anos - mais de dois mil só na Era Cristã - que se instituiu o sorriso de festa. Sim, numa festa faça tudo menos esconder aquele sorriso que lhe insere definidamente no grupo. Pode ser um simples e discreto sorriso, mas o suficiente para denotar alegria; ou uma retumbante gargalhada. Tem gente que queima todo o estoque acumulado de gargalhadas numa festa. De fim de ano, sobretudo. Ganha logo a fama de boa gente, capaz de levantar a moral e alegria de todos, quando não - por excesso de empenho -, como efeito colateral, passa a ser considerado amostrado.


Fim do ano passado, como fazemos todos os anos, a família se reúne em São José da Coroa Grande, onde realizamos o melhor réveillon do mundo, segundo a própria avaliação dos realizadores. Com direito a espetáculo pirotécnico, oferendas a Iemanjá, sortilégios e comes e bebes. Em média, do Dia de Natal à meia-noite do dia 31 de dezembro, dura uma semana. Para alguns, impedidos de largar o trabalho, dois ou três dias. E é fuzarca o tempo todo. Sobressai-se a gargalhada de Luci, no papel de matriarca moderna (porque não abre mão da irreverência, ao contrário das matriarcas "convencionais"), mas todos riem à vontade. Com ou sem motivo aparente. Tudo vira piada. E quando piada não há, a gente ri assim mesmo - de felicidade por estarem todos ali numa comunhão natural e espontânea para celebrar o ano findo e o que se aproxima.


Pois bem, quando o resto da turma ia chegando, já no sábado, precisei anunciar que minha cara de poucos amigos nada tinha a ver. Que entendessem como uma modalidade eventual de sorriso de festa. É que meu corpo estava me maltratando, impondo-me terrível lombalgia em razão de algo errado surgido de última hora na coluna vertebral. Ou seja: tratei de avisar que nem de longe estava desrespeitando a norma convencional de sorrir naqueles dias, naquele ambiente, ao lado de tanta gente querida.


Mas o diabo é que o bom cumprimento de atitudes convencionais pode levar ao exagero. Amigos meus e amigos de minhas filhas, conheço alguns, que de tanto sorrir o sorriso de festa passou a sorrir emendado, sempre, em toda e qualquer ocasião. Encara todo mundo com um sorriso largo, generoso e, em alguns casos, cativante. Neles o sorriso incorporou-se com tal intensidade à alma e ao corpo que ganhou vitaliciedade. Essas pessoas em geral agradam pelo seu jeito de ser, porém ficam privadas de darem notícia ruim a quem quer que seja. Não podem, por exemplo, comunicar a morte, a falência, a derrota eleitoral, a perda de um grande amor... Com aquele sorriso de felicidade, jamais!


Assim, creio que é preciso reeducar os brasileiros e as brasileiras para o bom exercício do sorriso de festa. A começar do pré-escolar, instruindo a meninada de modo a guardarem para sempre a advertência: sorria com moderação.

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