17 fevereiro 2014

Memória, para que serve?

Vale a pena esquecer?

Luciano Siqueira,no Jornal da Besta Fubana


Na canção de Marisa Monte, versos emocionados: “Esqueça… se ele não te ama/Esqueça… se ele não te quer” – conselho sensato para quem sofre de malquerença e se deixa abater.
Na frase sincera e algo cínica do então presidente Fernando Henrique Cardoso, “Esqueçam o que escrevi” – passando a borracha sobre convicções patrióticas que o poder se encarregou de desfazer.
Já no sentido inverso, versos de Roberto Carlos na voz pungente de Nana Caymmi apelam à memória para que não se esvaia para sempre o amor perdido: “Onde você estiver,/Não se esqueça de mim/Com quem você estiver não se esqueça de mim/Eu quero apenas estar no seu pensamento…”
Mia Couto assegura, pela voz de um dos seus personagens, que “amar e viver são verbos sem pretérito“.
O fato é que a memória atormenta o ser humano desde os primórdios da Humanidade – e muita gente gostaria de ter sobre a própria um controle seletivo: guardar apenas a lembrança de fatos e sentimentos agradáveis, enterrando para sempre num vácuo imaginário as más recordações. Sem precisar beber para esquecer, nem recorrer ao miolo de boi (rico em fosfato, dizia meu pai), para fixar conceitos e fórmulas matemáticas na aprendizagem escolar.
Bom, pelo menos esquecer o que incomoda parece que agora se tornará possível, segundo pesquisa em andamento na Radboud University Nijmegen, da Holanda. Isto através da conhecida terapia eletroconvulsiva (eletrochoques) – aplicação de correntes elétricas no cérebro, que provocam convulsão temporária – por aqui abolida, mas ainda em voga na Holanda, no tratamento da depressão aguda.
A notícia, difundida pela BBC holandesa, corre o mundo dando conta de “resultados impressionantes”: a memória produzida por estímulos visuais recentes simplesmente é apagada em pessoas submetidas ao aludido tratamento.
Parece ficção científica. Mas tem base objetiva, garantem os pesquisadores.
Além de questionamentos de ordem humanitária e ética, que me parecem incontornáveis, cá com meus modestíssimos botões tenho dúvida sobre as vantagens de esquecer o que passou. Fico com o poeta Fernando Pessoa, que já no início do século passado nos ensinava que “Tudo vale a pena./Se a alma não é pequena“. E se assim é, para que esquecer?

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