11 outubro 2014

Um dos pilares da economia sob ameaça

Papel dos bancos públicos na visão da oposição neoliberal
Mansueto Facundo de Almeida Jr já assumiu os seguintes cargos públicos: coordenador-geral de Política Monetária e Financeira na Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda (1995-1997), na equipe de Pedro Malan, assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado Federal (2005-2006) e Assessor Econômico do Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). É funcionário de carreira do IPEA em Brasília, mas, a partir de junho de 2014, passou a gozar de licença sem vencimento do órgão público para escrever seus panfletos oposicionistas mais à vontade como assessor do candidato Aécio, herdeiro da dinastia dos Neves de São João d’El Rey – MG.
No panfleto postado em seu blog no dia 6 de outubro de 2014 – “O papel dos bancos públicos na visão do governo” –, inicia destratando a Presidenta da República ao caluniá-la como mentirosa por ela ter dito que, “se a oposição ganhar a eleição, os subsídios terminariam, o que ocasionaria juros mais elevados e redução do investimento em infraestrutura”. Paradoxalmente, ele escreve seu panfleto confirmando exatamente essa impressão da Presidenta!
O objeto do maior queixume choramingueiro é a atuação proativa do BNDES. De fato, em pleno período anterior ao “apagão de 2001”, o BNDES emprestou de 1997 a 1999 apenas R$ 19 bilhões, anualmente, e só passou para o patamar de R$ 26 bilhões em 2000 e 2001.
Depois, o BNDES passou a ter um papel ativo no governo social-desenvolvimentista e o valor anual, nos últimos dois anos, está em torno de R$ 190 bilhões. Por exemplo, financiou a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a quarta maior do mundo, cujo empréstimo de R$ 22,5 bilhões para o projeto foi o maior da história do banco, correspondendo a 78% do total (R$ 28,9 bilhões) a ser investido na hidrelétrica.
A crítica oposicionista à atuação recente do BNDES é que ela seria baseada em concessão de “subsídio” e “favorecimento” ao organizar grandes empreendimentos em associação com grandes empresas brasileiras. Com essa “escolha dos parceiros estratégicos”, ele ofereceria subsídios e incentivaria a formação de conglomerados que, sob o argumento de melhoria da competitividade da indústria brasileira, atentariam contra o livre-mercado.
Não cabe essa crítica de “favorecimento”, pois qualquer escolha de setores prioritários na estratégia de crescimento explicitada no PAC (Programa de Aceleração Econômica), evidentemente, exigia selecionar as empresas contempladas com financiamento. Isto foi realizado, transparentemente, inclusive as empresas foram nomeadas no site do Banco.
Defender isonomia entre empréstimos dirigidos aos grandes grupos, responsáveis pelos principais projetos em andamento, principalmente ligados à Petrobras, e às micros, pequenas e médias empresas era desculpa antes adotada para não se escolher o caminho do desenvolvimento. Era, então, coerente com a atitude passiva pro mercado. Em nome de “não privilegiar clientes”, emprestava apenas para se privatizar o patrimônio público!
O oposicionista a favor do livre-mercado estima o custo anual do subsídio, comparando o custo atual do financiamento da dívida pública (SELIC) com a TJLP. Aplica essa diferença ao montante da capitalização do Banco por seu controlador, o Tesouro Nacional, via empréstimo em longo prazo. Faz cálculos estáticos para resultados dinâmicos. Não contempla o investimento multiplicador de renda, a elevação da arrecadação fiscal e nem o pagamento futuro de dividendos. O valor exato dos juros sobre a capitalização do banco só poderá ser conhecido no fim do financiamento. Poderá ser bem menor do que a quantia então estimada, ocorrendo uma futura convergência da TJLP e da Selic.
Sem visão estratégica sobre a obtenção de crescimento sustentado em longo prazo, a oposição só destaca o impacto fiscal dos empréstimos da União ao BNDES. Dado que os empréstimos têm custo indexado majoritariamente pela TJLP, haveria, em princípio, “subsídio” igual à diferença entre o custo de mercado do financiamento da União, baseado em Selic, e a TJLP. Esse cálculo, visto isoladamente, pode suscitar conclusões equivocadas, pois ignora os ganhos fiscais resultantes das operações viabilizadas pelo empréstimo da União, entre eles:
1. o lucro do BNDES, que retorna à União por meio de dividendos, tributos e lucros retidos;
2. o ganho fiscal em curto prazo, decorrente da expansão do produto e da renda da economia; e
3. o ganho fiscal em longo prazo, resultante do fato de que a capacidade produtiva da economia será maior nos próximos anos, viabilizando o crescimento da demanda sem pressão inflacionária, maior Produto Interno Bruto (PIB) e arrecadação fiscal mais elevada.
O governo social-desenvolvimentista justifica a existência do BNDES para corrigir a lógica do mercado, realocando recursos para setores prioritários, mas não tão lucrativos e atraentes para iniciativas particulares.
Em termos de custo fiscal e Orçamento Geral da União, o BNDES pode “fazer mais por menos”, isto é, gerar políticas públicas cujo gasto efetivo sai por cerca de 10% do custo fiscal potencial. São nove vezes mais, desde que o Índice de Basileia exige 11% do capital para cobertura dos empréstimos.
As alocações orçamentárias da União para ele se transformam em reservas para alavancar empréstimos. Os empréstimos do banco público possuem impacto suficiente para multiplicar a quantidade de dinheiro na economia, exacerbando ciclos de expansão ou atuando contra ciclo de queda.
Os neoliberais, quando estiveram no poder, colocaram nos bancos públicos a função de carregar títulos de dívida pública, dando ao governo certa autonomia em relação aos bancos privados. A missão principal deles passou a ser obter lucros para pagar dividendos ao Tesouro Nacional, elevando o superávit primário. O BNDES, antes, apenas financiava a privatização do patrimônio público, executando o Programa Nacional de Desestatização.
Os neoliberais chegaram até mesmo a questionar, embora não obtivessem apoio político para mudar, o que consideram um dogma ideológico: o banco público usar, exclusivamente, os fundos sociais, evitando obtenção de lucros pelos bancos privados com dinheiro público.
* Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)

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