05 fevereiro 2015

Contradições de nossa débil República

Razões do paradoxo PMDB versus governo

Luciano Siqueira

Até que vale uma análise mais aprofundada, em texto de maior fôlego. Aqui, em breve registro, assinalo duas razões relevantes do inusitado paradoxo: o PMDB tem o vice-presidente da República, eleito em aliança com o PT da presidenta Dilma, seis ministros pertencem à legenda e, ao comandar as duas Casas do Congresso anuncia uma relação tumultuada com o governo, ao preço inclusive de muitas concessões para atender pleitos de interesse particulares dos seus parlamentares.

Primeira razão: o PMDB não é um partido uno, funciona como um imenso mosaico formado por grupos locais, à semelhança da quase totalidade dos partidos políticos brasileiros. E não é de agora. Na verdade, jamais se alcançou em nosso país o amadurecimento das organizações partidárias - desde o Império e da República Velha às conjunturas políticas experimentadas a partir da Revolução de 30 até hoje. Partidos programáticos, nacionalmente constituídos de fato, e não apenas formalmente, não temos. A exceção é o Partido Comunista do Brasil, apesar de todas as vicissitudes sofridas ao longo dos seus 92 anos de existência. O PT se aproxima disso, porém fracionado por disputas internas entre grupos e tendências.

A influência de fatores locais e regionais num país de dimensão continental e de perfil socioeconômico marcado por desigualdades de toda ordem, faz chegar ao Senado e, sobretudo, à Câmara dos Deputados verdadeira miríade, ao invés de bancadas unidades e coesas. 

Outra razão se encontra no sistema eleitoral vigente, onde despontam dois fatores da pulverização das bancadas partidárias no Congresso: o voto uninominal, divorciado de propostas programáticas; e o financiamento de campanhas por grupos econômicos privados.

O voto no candidato, individualmente, secundariamente considerados a legenda e o programa, em nada contribui para a elevação da consciência políticos do eleitor e de sua capacidade crítica. Além disso, converte em concorrentes, quando não adversários, candidatos de um mesmo partido. Por consequência, o eleito representa basicamente a si mesmo e à parcela do eleitorado que o escolheu por julgá-lo detentor de atributos pessoais dignos de confiança. Uma vez no exercício do mandato, o parlamentar age menos como integrante da bancada de um partido que se posiciona em relação ao governo e acerca de matérias relevantes em tramitação, e mais segundo sua própria opinião e conforme os interesses particulares que enfim representa.

Assim, a bancada do PMDB, a maior do Senado e da Câmara, formalmente integra a coalizão que governa o país, porém na prática age como um agrupamento heterogêneo, fragmentado e volátil. O mesmo ocorre com maioria dos partidos no Congresso.

Demais, a influência direta de grupos econômicos poderosos, que financiam campanhas eleitorais, via de regra produz grupos autônomos no Congresso, agregados não em torno de propostas programáticas dos seus partidos, mas de compromissos corporativos - como são as bancadas "ruralista", "evangélica", "da bola", "da bala" e assim por diante. 

Daí a importância da campanha nacional liderada pela OAB e a CNBB - com apoio ativo da UNE, da CUT e da CTB e demais centrais sindicais e mais de cem organizações populares - em favor de projeto de lei de iniciativa popular que inclui, entre um conjuntando itens, a interdição do financiamento de campanhas eleitorais por empresas e a adoção de um sistema de votação para cargos legislativos em lista predominada pelos partidos. 

Enquanto isso, cabe à presidenta Dilma e aos governadores e prefeitos uma postura ao mesmo tempo firme e hábil no relacionamento com as Casas legislativas. Para que, resguardada a independência entre os Poderes (como reza a Constituição), assegurem a governabilidade. (Publicado no portal Vermelho e no Blog de Jamildo, portal ne10).

Ilustração: do blog Racionalismo selvagem

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