15 março 2015

Para além da superfície

Vamos ao que interessa

José Bertotti*

Uma reflexão que devemos fazer diz respeito à reforma política tão reclamada. Porém vejamos que se não existir um debate aprofundado na sociedade para indicar ao Congresso o real sentimento de mudança, de que maneira o Congresso decidirá e como fará para pontuar as questões fundamentais que envolvem essa reforma. Ficaremos apenas no aguardo de uma decisão que ao longo dos anos se arrasta? Cito como exemplo uma questão fundamental que a todos nos afeta e passa a margem dos noticiários: por que ainda não temos o orçamento de 2015 aprovado, seja o proposto por Dilma ou qualquer outro constitucionalmente aprovado?
Nessa reforma política, um dos principais pontos que merecem nossa atenção trata da representatividade do Congresso. Segundo o apurado pelo Departamento Intersindical de apoio Parlamentar (DIAP), atualmente menos de 50 deputados têm origem no movimento sindical de trabalhadores e mais de 250 congressistas são empresários articulados para defenderem seus interesses.
Nesse caso a crítica que os setores conservadores fazem ao se levantar esse questionamento é a da ideologização do debate em curso no Brasil. Bem, essa cantilena conhecemos onde vai dar: eu abandono minha ideologia e alguém impõe a sua. Não nos enganemos, o debate deve ser feito de forma plural e deve ter fundamento ideológico sim!
Outra desqualificação apontada pela grande mídia diz respeito à confrontação artificial entre ricos e pobres existente no debate sobre os rumos da economia e apontam como solução diminuir a gastança do governo e aprofundar a austeridade para todos. No quesito orçamento equilibrado, concordamos que de fato ele é uma necessidade, mas precisamos qualificar gastança!
Para esses setores conservadores, gastança se dá com a conquista e manutenção de direitos sociais como valorização do salário mínimo, crédito acessível aos trabalhadores e assistência social constitucionalmente prevista. Ora, vamos a fundo e perceberemos que mesmo com a implementação de importantes programas que permitiram uma sensível melhora na absurda desigualdade de renda no Brasil, elevando principalmente a renda dos mais pobres, não será difícil verificar que nesse ritmo ainda vamos demorar mais algumas dezenas de anos para ficarmos no mínimo um pouco menos desiguais.
Outra receita é a famosa austeridade e novos impostos para equilibrar o orçamento e permitir mais investimentos, pomposamente anunciados como a solução de nossos problemas. Penso que podemos e devemos fazer esse debate, mas por que não começarmos com uma aprofundada discussão sobre o imposto de grandes fortunas e os lucros auferidos por rentistas e financistas, originados historicamente num sistema concentrador de renda com raízes no patrimonialismo de nossa sociedade, incrustado nela desde nossa origem colonizada. Nesse caso, vale a pena ler ou reler "Os Donos do Poder" de Raimundo Faoro.
Por isso sou a favor do debate sim, sem maniqueísmos, mas colocando o dedo nas feridas. Um verdadeiro debate sobre a corrupção, que deve ser punida e repudiada, e que tomou corpo de fato nos governos Lula e Dilma, permitindo que os processos não fossem mais engavetados. Nesse caso, inclusive, fica cada vez mais claro que a origem dessa corrupção não está no seio dos governos, comandada por alguns funcionários públicos fracos de caráter que se vendem, mas sim originada e manipulada pela vergonhosa compra de corações e mentes por parte de alguns inescrupulosos cidadãos detentores do poder de compra.
O Governo Dilma lança a proposta Pátria Educadora para ir ao debate de fato da melhoria da competitividade de nossa economia. Mas vamos debater qual a educação que precisamos e por que existe em nosso país a segregação entre pobres que estudam em precárias escolas públicas, e ricos e remediados que estudam em escolas privadas que nem sempre entregam o ensino que se propõem a vender. Melhoria da nossa produtividade! Claro, mas com a criação de infraestrutura para portos, ferrovias e um vultoso investimento no transporte público de massa, pois atualmente nem metrô e ônibus decentes conseguimos oferecer para o imenso contingente de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.
Bom, não sou mulher, mas penso que por aí podemos sentir aquilo que se chama as dores do parto, o novo não nasce sem que o velho tente se agarrar de qualquer maneira para permanecer existindo. Por isso defendo o debate e a democracia. Dilma foi eleita para governar e iniciou seu mandato há dois meses e já falam abertamente em retirá-la da presidência. Ora, isso se chama golpe. Democracia é bom e necessária, porém pode sempre ser aperfeiçoada, mas nesse momento precisamos defender o mandato democraticamente conquistado por Dilma Rousseff.
*Ex-secretário estadual de Ciência e Tecnologia, dirigente estadual do PCdoB
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