06 março 2015

Uma crônica para descontrair

Picasso

Da utilidade de ser feio

Luciano Siqueira, no Jornal da Besta Fubana

Li outro dia no site da Superinteressante: “Psicólogos mostraram 200 imagens de rostos, alguns bonitos e outros feios, para um grupo de 20 pessoas - que depois fizeram um teste de memória. Resultado: as faces mais atraentes foram menos lembradas. A explicação é que a atração física atrapalha os mecanismos cerebrais responsáveis pela memorização.”

Epa! Finalmente vejo que ser feio não é assim tão ruim.

Na verdade, nunca me incomodei por não ter sido contemplado pela natureza com uma bela estampa.

Nos idos de meia oito, numa enquete que tinha muito de brincadeira, mas também de verdade objetiva, companheiras do movimento estudantil escolheram, dentre tantos que transitavam pela antiga Faculdade de Filosofia de Pernambuco, à noite, o mais feio.

O amigo Alberto Vinícius, estudante de Engenharia, alcançou o primeiro lugar no pódio.
Com muita honra, fiquei em segundo lugar, representando os estudantes de Medicina.

Anos após, no térreo do Paço Alfândega se instalou uma exposição fotográfica alusiva aos últimos anos da resistência democrática. Figurei em três fotos, ao lado de Miguel Arraes, Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos, Fernando Lyra e outros – na linha de frente de uma passeata.

Uma funcionária da Prefeitura do Recife, num rasgo de sinceridade, não se conteve:

- Dr. Luciano, via umas fotos ali no Paço... O senhor era muito mais feio do que é hoje!

Ainda tentou consertar, mas a interrompi com um bem humorado elogio à sua franqueza.

E assim venho trilhando meu caminho sem jamais me importar com a aparência.

Até me apoio em Marx, que num trecho do tomo 2 do segundo volume de O Capital, afirmou que se a aparência fosse igual à essência, não haveria necessidade da ciência...

Desconfio de que no que tenho de essencial, simples vivente que sou a conviver com milhares, não faço feio. As pessoas gostam – e dizem. E compartilham a vida comigo numa boa.

Quem bem dialoga não presta tanta atenção à aparência. Troca de impressões, descobertas mutuas, compreensão, solidariedade e afeto brotam da alma, como ensinam os poetas.

Essa notícia acima referida, salvo engano está capitulada entre as pesquisas consideradas inúteis, embora de referência pomposa: Effects of attractiveness on face memory separated from distinctiveness. Holger Wiese e outros, Universidade de Jena (Alemanha).

Cá com meus modestos botões, não é tão inútil assim. Serve de alento a tantos como eu, ao revelar alguma utilidade de ser feioso. 

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