18 abril 2015

Um ponto nodal

Redução de juros para retomar o crescimento
Oscar Xavier, no portal da Fundação Maurício Grabois

Saiba o que pensam Leda Paulani, Ladislau Dowbor, Paul Singer, Amir Khair e João Sicsú sobre o atual cenário econômico e que alternativas apontam para que o Brasil possa contornar o quadro recessivo mantendo os níveis de emprego e renda. Redução da Selic é ponto consensual para ajustar a economia à produção, em detrimento do parasitismo financista.

O discurso apocalíptico em relação à economia brasileira, propagado pela velha mídia em consórcio com o mercado financeiro, foi um dos propulsores das manifestações que tomaram as ruas do país contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. De acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada na avenida Paulista durante os protestos do último dia 15 de março, 95% dos manifestantes acreditam que a inflação irá aumentar. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu 2,9% entre fevereiro e março, atingindo 82,9, seu menor nível histórico.
Entre economistas entrevistados pelos jornalistas Igor Carvalho e Glauco Faria, da revista Fórum, há uma concordância de que o atual cenário é delicado, mas há pontos que podem ser explorados para um crescimento sem perda de empregos e de renda. Há um consenso entre os economistas consultados sobre a necessidade de redução imediata da taxa Selic, medida privilegiada do Executivo, que foge à pressão que o Congresso tem feito sobre a economia.
Todos são cuidadosos em apontar o cenário delicado da economia brasileira, frente à recessão internacional, mas sem embarcar no alarmismo artificial da imprensa, visando o “efeito manada”. Segundo eles, o Governo deveria se desvincular das receitas ortodoxas de ajuste fiscal para economizar juros da dívida pública, já que os juros brasileiros continuarão muito mais atraentes para estrangeiros que qualquer outro país. Ter a inflação como referência para todas as medidas econômicas aqui no Brasil também é uma decisão que trava o desenvolvimento.
Uma boa notícia em meio ao bombardeio é a desvalorização da moeda, ainda que não por definição governamental, já que vivemos num regime de câmbio flutuante. Todos consideram positivo que os preços internos sejam melhores que os preços de importados, ainda que insumos para a produção venham de fora mais caro ou as commodities brasileiras ainda não tenham recuperado o valor de outros tempos. Com o real valorizado, parte dos impactos favoraveis da demanda interna sobre a renda são drenados para fora do país.
Além da professora da FEA-USP e ex-secretária de Planejamento do município de São Paulo, Leda Paulani, Fórum escutou, sobre o cenário econômico do país, o professor de economia da PUC-SP, Ladislau Dowbor, o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, o economista Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas e o professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Sicsú.
Ou seja, são cinco visões de economistas observadores das políticas anticíclicas e heterodoxas do Governo Federal, com perspectiva desenvolvimentista, que podem ser confrontadas em suas similaridades e distinções para uma leitura “fora da caixa” do senso comum catastrofista dos especialistas do mercado financeiro. Leia e compare abaixo o que diz cada um dos economistas sobre temas sugeridos:
Fórum – A atual situação econômica é caótica como se pinta?
Leda Paulani – Uma das estratégias mais funcionais dos interesses rentistas é criar um clima de terror no qual as políticas de austeridade sejam vistas como a única alternativa. Isto posto, é verdade que há um agravamento da situação, em particular por conta do cenário internacional onde as perspectivas de crescimento são bastante ruins e a desaceleração dos gigantes China e Índia não deve se reverter tão cedo.
Mas não há descontrole inflacionário (apesar de uma pequena elevação dos índices de preço, quando olhada em perspectiva mais longa – os 20 anos pós-Plano Real –, o que se encontra é uma trajetória de normalidade), nem total descontrole das contas públicas. A não obtenção do superávit primário neste ano, apesar de marcar uma ruptura em relação a uma série de resultados positivos desde o começo dos anos 2000, é menos importante para o crescimento da relação dívida/PIB do que o nível elevado da taxa de juros, que quem dissemina o caos não perde a oportunidade de defender. Ainda com relação a esse ponto, é preciso lembrar que, consideradas as despesas totais, ou seja, juros da dívida inclusos, nossa relação déficit/PIB anda na casa dos 3%, contra 4% nos países do Euro, 8% no Reino Unido e 9% no Japão. Portanto, falar em total descontrole das contas públicas é um exagero.
Fora isso, o determinante interno mais forte para o agravamento da situação é o baixo nível dos investimentos, que não vêm de hoje, é verdade, mas que se agrava pelo próprio clima de terror. Em outras palavras, ao alardear a situação caótica, mercados financeiros e mídia acabam em parte por produzi-la, pois “fazem a cabeça” do empresariado que, racionalmente, posterga investimentos.
Ladislau Dowbor – Devemos entender “situação”. Uma coisa é a conjuntura, o curto prazo, desequilíbrios contábeis. Aqui há ajustes a fazer, se se trata bem de ajustes, ou seja, de correções no equilíbrio da máquina. Esta conjuntura é fortemente afetada pelos preços internacionais (minério de ferro, soja e outros itens importantes das nossas exportações perderam entre 20% e 40% do seu valor, o que é enorme). E temos uma conjuntura internacional muito fraca, basta ver países europeus se felicitarem por um crescimento de 1%. O principal fator interno de desequilíbrios são os juros dos crediários, cartões de crédito, crédito bancário para pessoa física e pessoa jurídica, além de elevada taxa Selic, juros estes que desviam pelo menos 5% a 7% do nosso PIB das atividades produtivas para atividades especulativas e evasão fiscal.
Outra coisa são os dados estruturais. Entre 1991 e 2012 o brasileiro passou a viver dez anos a mais, tem mais dez anos para dizer como a coisa está ruim. É um avanço absolutamente impressionante. Em 1991 tínhamos 85% dos domicílios com IDH municipal abaixo de 0,50, um buraco. Em 2010, apenas 0,6% dos domicílios estão nesta condição. São dados da ONU/IPEA/FJP, absolutamente confiáveis. E temos evidentemente os mais de 20 milhões de empregos formais, cerca de 40 milhões que saíram da miséria, são resultados espetaculares. E o desemprego é um dos menores da história, na faixa de 6%. Em termos estruturais é uma das economias que melhor se apresenta, tanto assim que mantém o grau de investimento (ainda que no limite baixo deste grau), além de que os capitais internacionais buscam muito o país para investimentos diretos.
Paul Singer – Não. A situação econômica não é caótica, mas está difícil porque o investimento privado quase cessou e o governo não dispõe de recursos para realizar investimentos públicos faltantes. Por isso, o crescimento da economia é muito pequeno quando não nulo. A “greve” dos investidores pode ser atribuída ao antagonismo da burguesia ao governo que há 12 anos está no poder e no ano passado eleições livres o conduziram a um novo mandato.
Amir Khair – O Brasil é um país fortíssimo, tem economia de mercado forte, tem possibilidade de consumo maravilhosa, uma indústria diversificada, uma agricultura de ponta, um subsolo fantástico, enfim, reunimos condições espetaculares em um único país, isso é raro. Porém, esses recursos são muito mal utilizados. O que vem acontecendo, que causa todo esse mal que estamos assistindo há muitos anos, independentemente se o governo é de Fernando Henrique, Lula ou Dilma, é que, aqui no Brasil, foi eleita a inflação como fio condutor da economia. Qualquer coisa que se faça, alguém vai lembrar que isso vai dar inflação. Em função disso, o Banco Central, que foi eleito o guardião da inflação, usa a Selic como instrumento de controle dela, que está muito elevada para o padrão internacional. Ou seja, os outros países, há muitos anos, praticam a Selic deles, que é a taxa base de juros, no nível da inflação do país. Se a inflação é zero, como no Japão e nos EUA, a taxa básica de juros é zero. Nos países emergentes, vai haver uma inflação de 5%, e a taxa básica é 5%. Não existe juro real, o juro real é zero.
O Brasil não, aqui praticamos uma taxa de juro real de 6 pontos acima da inflação, estamos com a Selic próxima a 13% com uma inflação de 6% ou 7%. O que ocorre é que, ao se estabelecer pelo BC uma taxa de juros elevada, acaba fazendo com que as outras taxas de juros públicas sejam elevadas. Sou o investidor e vou comprar um título do governo, se a Selic sobe, pego esse título e vou trabalhar com a Selic. Se estou pegando um título que é corrigido pelo índice de inflação, estou sempre olhando se a Selic não vai ser melhor. Então, a Selic é quem baliza. Quando ela está muito elevada, a taxa de juros que incide sobre a dívida pública é muito alta. Não é que a dívida pública seja alta, ela está razoável, por volta de 60%, o que está errado é a taxa de juros. O Japão, por exemplo, tem 200% de dívida pública.
João Sicsú – Caótica não, mas é muito delicada e é delicada desde 2011. Acho que houve graves erros de condução da economia desde essa época, ela vinha muito bem até 2010, aí vieram medidas contracionistas, com elevações das taxas de juros de janeiro até julho de 2011. Em todas as reuniões consecutivas do Copom e do Banco Central, houve elevação da taxa de juros. Além disso, houve também uma decisão do governo de aumentar o superávit primário.
Fórum – Que tipos de medidas devem ser tomadas para se preservar o emprego e a renda no país?
Paulani – A primeira coisa a pontuar é que, quaisquer que sejam as alternativas apontadas, uma coisa é certa: ao contrário do que se alardeia, inclusive para indicar esse como o único caminho, a política de austeridade não levará a esse resultado, antes o contrário. A redução forçada dos gastos públicos vai se combinar com um cenário internacional nada alvissareiro e produzir enorme piora do ponto de vista da retomada dos investimentos internos.
O que é possível fazer para preservar emprego e renda? Responder essa pergunta é fundamentalmente responder sobre o que é possível fazer para induzir a elevação do nível interno dos investimentos. Do ponto de vista da política fiscal é necessário substituir o foco nas desonerações pelo gasto público em investimentos. Ao contrário do primeiro, esse último tipo de gasto constitui aquilo que se poderia chamar de “uma injeção de demanda efetiva direto na veia da economia”. O primeiro, se as expectativas não corresponderem, vira imediatamente aumento da margem de lucro. Considerando o cenário desolador do ponto de vista da demanda externa, tanto do ponto de vista dos preços quanto do ponto de vista das quantidades demandadas, essa seria uma medida necessária, até porque, dados os tipos de investimentos de que o país é carente (infraestrutura, habitação etc.), eles teriam enorme efeito multiplicador.
Do ponto de vista da política monetária, é evidente que é preciso reduzir os juros. Não há nada que justifique o nível em que atualmente se encontram, principalmente quando olhamos para o cenário internacional de juros reais negativos. É evidente que juros elevados, em combinação com as expectativas deprimidas que a própria afirmação de existência do caos econômico ajuda a disseminar, têm consequências negativas para os investimentos.
Do ponto de vista da política cambial é preciso introduzir mecanismos adicionais de controle dos fluxos internacionais de capital e efetivar e fortalecer aqueles que já existem. Só assim poderá se reduzir a volatilidade desse preço tão importante para a economia que é a taxa de câmbio. A redução da volatilidade tem consequências positivas para o próprio controle inflacionário e retira força dos argumentos que sustentam a política de juros reais elevadíssimos.
Dowbor – O que o país precisa são correções, não mudanças de rumo. O emprego vai muito bem. Mas o PIB vai mal, pois grande parte dos ganhos é desviada para intermediários financeiros, que não só não investem no desenvolvimento do país, como se escondem em paraísos fiscais e não pagam os seus impostos. O eixo principal de medidas está no ajuste do sistema de intermediação financeira. A BBC apresenta os dados da Economática: “O Itaú teve ainda um aumento de seu lucro de 30,2% em 2014 – registrando o maior lucro da história dos bancos brasileiros de capital aberto segundo a Economatica (R$ 20,6 bilhões). O lucro do Bradesco também se expandiu bastante – 25,6%. E isso em um momento em que consultorias econômicas estimam um crescimento próximo de zero para o PIB de 2014. Diante desses números, não é de se estranhar que dos 54 bilionários brasileiros citados no último levantamento da revista Forbes, 13 estejam ligados ao setor bancário.” (Costas, Ruth – BBC Brasil em São Paulo – 23 de março de 2015). Lucros aumentando neste ritmo com o PIB baixo se complementam: o brasileiro trabalha muito, mas os resultados, em vez de serem reinvestidos, são sugados para a especulação e para o exterior. Os dados completos estão no meu artigo (leia aqui).
Khair – Isso é possível e está muito interligada uma coisa na outra. Por isso que minha tese é que o primeiro movimento imediato deve ser a Selic, o resto vai se encaixando. Ao reduzi-la – o que é uma decisão da Presidência, não depende do Congresso –, a conta de juros que o setor público paga, que bateu em 6,1% do PIB, vai caindo rapidamente para o nível de 3% ou 4%, e aí se faz uma revolução fiscal, mantendo um equilíbrio das contas públicas sem precisar de um superávit primário elevado. Quando você deixa de queimar dinheiro com juros, que beneficiam o rentismo do país e o setor financeiro, que aplicam em títulos do governo (os bancos principalmente) se está automaticamente abrindo espaço fiscal para as áreas da saúde, educação e segurança pública. Esse argumento de que não tem dinheiro para fazer as coisas é uma grande mentira, porque o dinheiro existe, mas é queimado pagando juros desnecessários. Para tudo isso, basta uma ordem da presidência.
O segundo impacto, ao se mexer na Selic, é nas contas externas e na competitividade das empresas brasileiras. O Brasil está com o câmbio artificialmente baixo, estamos com R$ 3,10, mas historicamente esse câmbio deveria estar próximo de R$ 4 se considerarmos todas as condicionantes de exportação e competitividade internacional do Brasil. Então, nós estamos fora, completamente fora, e isso é uma política deliberada do Banco Central, de manter o câmbio valorizado. Quando a Selic está elevada, no padrão internacional, se atiçam as operações chamadas QR3, ou seja, o investidor internacional pega o dinheiro a custo zero praticamente, seja na Europa, no Japão ou EUA, traz esse dinheiro para cá, aplica o dinheiro em títulos do governo, ganha os 13% em cima disso e depois repatria. Como no resto do mundo ele não vai achar uma taxa tão alta, ao invés de repatriar, ele reaplica. Fica com uma montanha de dólares na economia brasileira, aproveitando essa alta taxa. Esse dinheiro não beneficia o país em nada, só rende juros para o capital internacional, com isso o real fica forte e as importações ficam baratas. Na hora de comprar um produto na vitrine, compro o importado que está muito barato.
Com isso, passa a existir um rombo nas transações correntes do Brasil, que, não tendo exportação suficiente, fica impossível competir com o dólar a R$ 3. Dessa forma, não consigo exportar e importo muito mais do que devia, consequentemente minha balança comercial deixa de ser fortemente superavitária, como ano passado, e passa a ser deficitária. Como tenho outras contas externas como juros, como dividendos, como seguros e etc, que é a chamada balança de rendas e serviços, acabo ficando com o déficit, que no ano passado fechou com um rombo de U$$ 91 bilhões, ou 4,2% do PIB. Nesse ano, se o câmbio não melhorar, vamos novamente quebrar as contas externas.
Quando se coloca a Selic no lugar, há uma série de benefícios como o equilíbrio nas contas internas e externas, além de equilíbrio econômico. Não preciso do Congresso e nem negociar nada, fujo das negociatas políticas. Só não se faz isso porque vai dar inflação e a equipe econômica do governo está sendo chantageada por todos os lados, no Congresso e no mercado financeiro. As minhas propostas para colocar a casa em ordem rapidamente em relação à questão fiscal: parar de emitir título público, emitindo moeda como faz EUA, Europa e Japão desde 2008; segundo, não precisa de US$ 380 bilhões de reservas internacionais, essas reservas foram feitas com o endividamento em Selic, isso é um crime, não precisamos.
Sicsú – É preciso tomar medidas de estímulo à economia e não de desestímulo. O que não se pode fazer é o que o governo está fazendo agora, cortar direitos trabalhistas e benefícios sociais. Temos que garantir recursos para, pelo menos, manter esses benefícios que foram uma conquista importante dos últimos doze anos.
Mas e o dinheiro? É hora de fazer uma reforma tributária progressiva, é hora de fazer aquilo que não foi feito até hoje. No Brasil, quem paga imposto é a classe média e a pobre, rico não paga imposto. Existe uma série de medidas que considero relevantes, por exemplo, quem tem carro popular paga IPVA, quem tem iate, helicóptero ou jatinho, não paga, isso é uma tremenda injustiça social e tributária, e seria uma importante fonte de recursos. Imposto de Renda, a maior alíquota é 27,5%, isso já atinge um professor universitário, é a mesma alíquota paga por um diretor de banco, que ganha R$ 50 ou R$ 60 mil por mês. Em diversos países, a alíquota mais alta é de 40%, 50%, 55%. Nos EUA é de 39,6%, no Chile é 40%, na França é 50% e por aí vai. É preciso ter consciência de que taxar os milionários do país é uma importante fonte de recursos. Quantos empresários não tiram dinheiro da sua empresa como pessoa física e não pagam nada? Alguns dizem que é bitributação. Não. Você está pagando imposto como pessoa física, tinha pago como pessoa jurídica.
Imposto Rural é quase nulo. Imposto sobre heranças é ridículo, 4%. Qualquer país avançado mantém um imposto elevado, e não estou falando de classe média, estou falando de milionários, que deixam milhões de herança. Precisa coragem política, mas só se tem coragem pra tirar benefícios sociais.
Fórum – Qual seria a importância, hoje, de uma reforma tributária que tornasse o sistema mais justo? Nesse cenário, como entra a taxação das grandes fortunas, por exemplo?
Paulani – A importância é total. Um dos fatores estruturais que ajuda a explicar nossa crônica desigualdade é nosso sistema tributário, intrinsecamente regressivo, porque é baseado nos impostos indiretos, que recaem sobre o consumo (ICMS, IPI, ISS etc). Uma reforma tributária no sentido de inverter os pratos da balança e dar o peso maior para os impostos diretos é fundamental. Dentro desse grupo – os impostos diretos são aqueles que incidem sobre renda e patrimônio – para além das necessárias alterações no imposto de renda, como a criação de faixas com alíquotas mais elevadas do que 27,5%, é preciso urgentemente dar maior importância e maior peso aos impostos sobre patrimônio. Um imposto sobre grandes fortunas entraria aí.
No entanto, apesar da urgência, sou pessimista quanto à possibilidade de isso ocorrer a curto e mesmo a médio prazo. O país partilha uma cultura patrimonialista que trata a propriedade como algo sagrado e quase intocável. Veja-se o que ocorreu com o IPTU da cidade de São Paulo. Um mero ajuste decorrente da revisão da planta genérica de valores, obrigatória por lei, vai parar na Justiça e rouba recursos que seriam fundamentais para a cidade. Registre-se que esse tipo de imposto é muitíssimo mais elevado em todas as cidades importantes do mundo, como Paris e Nova York. Aqui, mais uma vez, tivemos o auxílio inestimável da mídia, que ajudou a propagar a ideia de que os aumentos eram abusivos (absolutamente não eram) e decorriam tão somente da existência de um prefeito gastão (o que tampouco é verdade).
Dowbor – É absolutamente vital. Odilon Guedes e outros economistas apresentam as principais mudanças, que têm como denominador comum reduzir os impostos indiretos (que oneram proporcionalmente mais os pobres), desonerar a folha de pagamentos, e sobretudo cobrar impostos dos que detêm fortunas improdutivas. Thomas Piketty, no Roda Viva, se espantou de ver que na Europa impostos sobre a herança são elevados, enquanto no Brasil são de um ridículo 4%. Mais ainda precisamos taxar ganhos financeiros especulativos, o que obrigaria seus detentores a buscar financiar atividades produtivas. E temos de controlar os fluxos de evasão fiscal. O Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, segundo o Tax Justice Network, ou seja, cerca de 25% do PIB. Não há crescimento possível com esta sangria. E são os que mais gritam “pega ladrão”. Eu, por experiência, olho para quem está gritando. Os dados são muito fortes e batem, ainda que venham de fontes diferentes.
Khair – Com esse Congresso e com essa sociedade que temos, a resposta é “não”. Defendo o imposto sobre grandes fortunas, isso deveria ser feito no Brasil desde muito tempo, mas não foi regulamentado porque os parlamentares são atingidos no bolso e essa é a razão. Nós temos um Congresso que só legisla em nome do interesse dos parlamentares, é um clube fechado que não legisla para a maioria da população. Não acredito em reforma tributária sem uma mudança de contexto político, com uma sociedade mais bem informada e sem essa mídia que é uma porcaria.
Fórum – O dólar em alta pode ser uma solução para um problema apontado por muitos economistas – a sobrevalorização cambial? Como o país pode aproveitar este momento?
Paulani – A desvalorização da moeda brasileira é de fato a única boa notícia de todo esse cenário. Com exceção de poucos e muito curtos períodos, nossa moeda está sobrevalorizada há praticamente 20 anos. O acerto desse preço, se ele vier para ficar, estimula a demanda externa e desestimula as importações, que drenam para outras economias os impactos favoráveis da demanda interna sobre emprego e renda. Para que fique bem claro, o que é preciso é reduzir a volatilidade do câmbio e estabilizá-lo num patamar elevado, errando para mais, se for o caso, ao invés de para menos. Um câmbio sobrevalorizado traz sempre por trás de si, como um fantasma, a expectativa de uma desvalorização. Dada a permanente instabilidade do cenário internacional, uma economia como a brasileira não pode conviver, sem sobressaltos, com um câmbio permanentemente apreciado. As medidas no sentido de controlar o fluxo internacional de capitais contribuiriam para a estabilização da taxa de câmbio num patamar adequado.
Dowbor – O dólar alto que favoreça as exportações e encareça as importações é bom para as atividades produtivas internas, ainda que não seja milagroso, pois nesta era globalizada muitas atividades internas dependem da importação de insumos e semielaborados. Em particular, enquanto não se recuperarem os preços internacionais das commodities, das quais somos fortes exportadores, vai ser difícil.
Singer – A alta do dólar reduz o preço dos produtos brasileiros exportados pagos em dólares ou em outra moeda forte nos circuitos comerciais internacionais. Este barateamento de nossos produtos facilita sua venda no exterior, contribuindo para o reequilíbrio de nosso balanço comercial.
Khair – O benefício maior é o crescimento econômico, as empresas brasileiras passam a ter competitividade, elas foram tolhidas em sua competitividade porque, com um câmbio nessa faixa, impede-se que elas possam competir até aqui dentro, imagina lá fora. O maior benefício na mudança cambial, no meu ponto de vista, é permitir competitividade aqui no Brasil, com geração de emprego aqui.
Sicsú – Nossa indústria se torna mais competitiva no mercado internacional e isso pode estimular a exportação. Estou preocupado com as exportações, mas muito mais preocupado com nosso mercado doméstico. A classe média está triste, porque ficou caro viajar, mas isso gera emprego e renda aqui dentro. Nossos produtos, quando o dólar sobe, tem chance de ganhar o mercado internacional.
Fórum – Ainda sobre a alta do dólar: isso pode, de alguma forma, favorecer a indústria brasileira? Se sim, essa medida era realmente necessária?
Paulani – Sim, é evidente que a alta do dólar favorece a indústria brasileira. Ao elevar o preço dos produtos importados, torna mais atrativos ao mercado interno os produtos produzidos no país. Vamos comprar roupas e panelas produzidas aqui, por exemplo, ao invés de produzidas na China. De outro lado, para o mercado externo, nossos produtos ficam mais baratos em dólar e podem estimular algum efeito substituição em mercados importantes para nossos produtos industriais. Portanto, perspectiva de aumento da demanda interna e da demanda externa. O acerto do câmbio é uma das alterações mais importantes do ponto de vista do erguimento dos investimentos. Contudo, não se pode falar em “medida”, pois, como vivemos num regime de câmbio flutuante, não é o Estado, mas o mercado que diz, a cada momento, qual é o preço da divisa. As condições agora estão induzindo a uma elevação do preço do dólar. O controle do fluxo de capitais é que seria uma medida de política econômica no sentido de tentar estabilizar o câmbio num nível favorável à produção nacional.
Dowbor – O essencial a se considerar é que frente ao marasmo internacional e a crise especulativa das commodities (em particular do petróleo), o Brasil tem de aproveitar o seu grande trunfo que é um amplo mercado interno: melhorar a situação econômica do andar de baixo da economia – cerca de 100 milhões de pessoas – constitui uma fronteira de avanços muito promissora. Quando o mercado internacional vai mal, o ajuste que restringe o mercado interno não faz sentido, pelo contrário, temos de expandi-lo. O dólar é apenas um dos instrumentos, com funções limitadas.
Fórum – Qual a importância de uma eventual recessão no cenário político?
Dowbor – No nosso caso temos a conjuntura internacional, o comportamento escandaloso do cartel de intermediários financeiros e a estrutura tributária como elementos críticos centrais. As reformas são necessárias, mas não têm nada a ver com má gestão da Dilma ou do Guido Mantega. A conjuntura internacional é um dado que não dominamos. E tanto o sistema financeiro (em particular a Selic elevada), como a estrutura tributária são travados justamente pelos que tanto falam em crise. Aqui não foi uma crise econômica que gerou uma crise política, e sim um ataque generalizado das elites junto com interesses internacionais (Petrobras inclusive) que usa o argumento da crise econômica. Não foi muito diferente em 1954 ou em 1964.
Vale a pena lembrar a carta-testamento de Getúlio, antes de se suicidar: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.”
Singer – Uma recessão tende a reduzir o emprego, porque parte das empresas diante da queda das vendas demitem parte de seus empregados. As vítimas das demissões deixam de ter renda e por isso têm de reduzir fortemente seus gastos com compras. Este efeito é cumulativo ao anterior o que agrava a recessão e o desemprego resultante.
O combate da recessão exige uma estratégia keynesiana: o governo, apesar de arrecadar menos em impostos, deve expandir seus gastos sobretudo na forma de seguro-desemprego Bolsa Família etc. O aumento dos gastos sociais obviamente ajuda a recuperar a demanda dos beneficiários por bens e serviços essenciais. Os beneficiários voltam a comprar bens e serviços o que atenua a queda da atividade econômica e o avanço do desemprego. Os neoliberais apontarão o aumento do gasto público e da dívida pública como causa da recessão, o que nem é o caso. Depende do que for maior, a greve dos investidores ou a recuperação do mercado interno, resultado da política anticíclica keynesiana. A experiência histórica nos anos entre 1945 e 1975, época de predominância do keynesianismo, mostra que esta política pode prevenir e ou superar crises.
Khair – A recessão já existe e está em curso, nesse ano vamos perder 1% do PIB e acho que estamos no limite dessa política econômica.
Sicsú – A recessão está aí e a crise econômica é sempre a base para a crise política. Esses dias estava me lembrando que a crise no governo Collor começou com uma crise econômica. Por mais que a grande mídia crie factoides, se a economia está crescendo, os boatos de crise política não prosperam.

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