30 julho 2015

Uma crônica de cena familiar

Meus 41 anos

Rafaele Ribeiro

Ela acordou naquele dia completamente feliz; afinal, comemorava mais um aniversário. Recebeu do marido um baita café da manhã e dos filhos, Augusto e Francisca, muitos beijos e um Caroline Herrera, marca que tanto amava.
Seu dia começou pra lá de animado: após o recheado café, seguiu com a família em direção ao aeroporto do Recife, pois tinha acabado de ganhar do amado um jantar no Alfredo di Roma, restaurante lindíssimo, ambiente requintado e comida italiana, em Salvador.
A família seguiu de taxi até ao Vila Galé, luxuoso hotel e de muito bom gosto, por sinal, próximo ao Farol, na Barra.
O dia seguia perfeito: escutava ¨The Piano Guys¨, deitada na espreguiçadeira do hotel, usando seus famosos óculos Gucci e chapéu aba larga protegendo todo seu rosto, que aliás, já estava bem protegido de tanto protetor solar que havia passado.
As crianças se divertiam com o pai na piscina. Realmente, o dia não poderia estar melhor.
Ao anoitecer, ela resolveu iniciar a produção. Precisava ficar belíssima! Era seu aniversário, seus 41 anos! Olhou-se no espelho durante 10 minutos, não se sentiu feia, mas reconheceu que estava um pouco flácida...desejou seios mais firmes.
 Bom, bola pra frente! Abriu a mala e procurou a linda calça Oxford, cor caqui, a qual havia escolhido para a ocasião. Só tinha um detalhe nisso tudo: a peça havia sido comprada há dez anos. Mas e daí? Ainda cabia nela e estava em perfeito estado. Vestia tão bem...é certo que ficaria encantadora.
Pôs o primeiro pé, logo depois, o segundo, com muito esforço, subiu a calça até o quadril e lá iniciou uma travada batalha, típica de gladiadores medievais (ela x calça): puxava pelo passante, pelo pequeno zíper lateral, pelos botões frontais...nada. Ela não se movia. Desgraçada! O marido, sempre muito atencioso, resolveu dar aquele empurrãozinho (nessas horas, faz-se tão necessária a força masculina) ele sentou defronte pra ela e resolveu baixar a calça para subi-la de vez...aff... ela quase dá na cara dele! Vinte longos minutos perdidos! Um tempão para subir até o quadril e tudo perdido! Graças a ele que em 3 segundos baixa toda a bendita, crendo que iria subir assim tão depressa... tão inocente..só queria ajudá-la. Ela pede pra ele sair e inicia o processo da subida até o quadril. Teve uma ideia: resolveu passar óleo nas pernas e quadril. Sim, agora, ela ia subir. Dessa vez mais facilmente. Não ia demorar essa eternidade. De fato, não se esforçou muito e a calça voltou a moldar seu corpo. Orgulhosa,saiu ao encontro da família que a esperava.
Já no táxi, o cheiro de talco do aromatizante do carro a fez espirrar, um leve espirro e pluft, abriram-se os botões frontais. Ela respira fundo. Não quer trocar de roupa. A calça ainda está presa. Calmamente, pede ao taxista que siga para Ondina.
Caminhava de nariz empertigado, majestosa, segura de si, pois a calça resistia firme e forte desenhando seu corpo. O marido afasta duas cadeiras para as crianças e outra para ela, que ao agachar-se,para sentar, escuta o indesejável som do zíper lateral se abrindo na costura. Seu rosto empalidece e o coração bate a mil por hora. Os céus estão contra ela, só pode! Deveria ter lido o horóscopo, sem dúvida, aquele não era seu dia! Havia uma conspiração dos astros para celebrar sua infelicidade! O cérebro não para de pensar. O garçom traz a entrada, uma bruschetta Alfredo, ela mal sente o sabor, engole. Quer resolver esse problema. O marido conversa, as crianças falam de Frozen e Disney; ela nem os escuta. Pensava em como sair dali, naquele estado. A sorte era a blusa que cobria a cintura e não mostrava toda aquela humilhação. O restaurante estava lotado. Finalmente, antes do prato principal, decide ir ao banheiro; assistiu tanto MacGyver...também era desenrolada. Ia dar um jeito! Procura qualquer coisa que prenda a calça à cintura. Olha o enxaguante, as plantas, o fio dental...de repente lhe vem uma grande ideia e ela puxa metros de fio dental, dá logo umas 3 voltas na cintura,amarra bem, baixa a blusa e segue pomposa desfilando por entre as cadeiras e mesas do Alfredo di Roma, com seu cinto improvisado feito a base de fio dental.
Ao avistar a mãe (criança não se segura, todo mundo sabe disso) Francisca corre ao seu encontro, a mãe para e tenta segurar os braços da menina, temendo o pior...tarde demais. A criança lhe abraça as pernas e puxa, involuntariamente, a dita calça, que não resiste ao puxão, e logo desliza pelas pernas, com ajuda de todo aquele óleo, deixando a aniversariante só de calcinha, em pé, no meio do restaurante... a música para, os clientes olham, ela enrubescida que nem uma casca de maçã, explode de choro diante de tanto vexame e sai, arrasada, correndo porta afora.
Fica a dica: nem sempre dar uma de MacGyver é a solução do problema. Às vezes, o ideal, é evitá-lo, antes mesmo de ele surgir.

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