26 julho 2015

Uma crônica leve sobre o sentido da existência

Ana Vaz

Da utilidade e da inutilidade das pessoas para a vida

Alana Moraes*
Há muito anseio escrever um texto com este tema, faltava-me impulso... E então voltei a ler João Guimarães Rosa “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é CORAGEM.”. O título em si não fala muito sobre todas as palavras que pensei em depositar num único texto. Pensei em escrever sobre poesia, do tanto que ela faz bem, unido a isso, escrever o quanto pesa as palavras proferidas nesta vida, tanto positiva quanto negativamente, pensei em falar por meio das palavras escritas, sobre a ausência do amor, a si e ao outro, na vida das pessoas, escrever a importância da FÉ acima de qualquer outro sentimento, e lê-se, fé nas pessoas, na vida, no amor, em um Deus, que como diria Clarice L., permita-nos encostar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo à noite, fé na capacidade do outro de amar, para que assim não revelemos antes de tudo a nossa própria incapacidade. Acredito que ao leitor atento todos esses temas estarão visíveis no decorrer do texto, um texto que vem falar, sobre tudo, de gente, e da forma como essa condição nos torna útil ou inútil aos olhos dos que nos cercam.

Seria desonesto continuar a escrever sem pontuar aqui três escritores que muito colaboraram na visão que hoje exponho. O primeiro deles se chama Rubem Alves, tive contato, ainda no ensino médio, com um texto intitulado “A caixinha de brinquedos”, que revela, com uma escrita muito suave, o quão positivo é chegar à velhice e entender que é nesta etapa da vida que somos inúteis, completamente inúteis, e que exatamente aí, reside o sentido de nossa existência. Em uma das passagens do texto o autor diz: “Um poema da Cecília Meireles é completamente inútil, mas papel higiênico é útil. Com quem vocês preferem parecer com o poema da Cecília ou com o papel higiênico?”, desde então me pus a perguntar qual a construção que damos a nossa vida, construímo-la para ter ou não utilidade na vida do outro?! Por enquanto a pergunta é de ordem retórica.

O segundo escritor é Antoine de Saint-Exupéry, que para mim é preferível citar a obra, não por desqualificar o autor, mas para engrandecer o livro que retrata minha cabeceira, "O Pequeno Príncipe", poderia citar Terra dos homens ou ainda Piloto de Guerra, mas não há jeito, Exupéry escreveu um livro para ser clássico e palavras para serem ensinamentos. Alerta-nos o escritor: “Cuidado para não ficar como as pessoas grandes!”, poderia citar aqui as quatro maiores lições que extraí do livro, mas deixemos para a próxima. É preciso cautela para não deixar de amar, de enxergar para além do que os olhos são capazes de ver, para não ser número e se esquecer de ser essência, cautela para não se tornar uma coisa útil... No final das contas, é esta a mensagem do autor, uma verdade, como diz a raposa no livro, “que as pessoas grandes esqueceram, mas tu não deverás esquecer”. 

O último dos três escritores que me influenciaram a escrever é o Padre Fábio de Melo, não foi através de nenhum livro específico, em uma de suas brilhantes homilias ele diz, e gostaria de abrir um longo parêntese para a sua fala, peço a atenção do leitor, “a utilidade é uma coisa muito cansativa, [...] é um território muito perigoso, porque muitas vezes a gente acha que o outro gosta da gente, mas não, ele tá é interessado naquilo que a gente faz por ele. [...] A velhice é o tempo que passa a utilidade e aí fica somente o seu significado como pessoa, [...], o momento em que temos a oportunidade de saber quem nos ama de verdade, porque só nos ama, só vai ficar até o fim aquele que depois da nossa utilidade descobrir o nosso significado.”.

Para dar continuidade ao texto farei ao leitor a mesma pergunta que me foi feita através da homilia de Padre Fábio: Quem nessa vida já pode ficar inútil para você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora? É essencialmente desta pergunta que somos capazes de desvendar o amor que sentimos pelo outro, o amor limpo. É da resposta que surge desta pergunta que saberemos quais as pessoas que podem viver na nossa vida de forma inútil, que poderão ser o poema da Cecília Meireles, a música do Tom Jobim, são essas as pessoas que poderão nos acompanhar em cada nascer do sol que desejarmos contemplar, são para essas pessoas que faremos de todas as estações primavera!

Na velhice, na penúltima etapa da montanha, é que somos capazes de observar com clareza as flores que fomos capazes de regar, as pessoas que tivemos a capacidade de amar e aquelas as quais fomos capazes de fazer nascer o verdadeiro amor. Tenho na mente que todas as coisas que nascem e morrem nessa vida tem um papel a cumprir. Uma rosa, mesmo quando arrancada, cumpriu seu papel, a sua utilidade acaba na entrega e no sorriso de quem a recebeu, e se quem a recebeu a cultiva, mesmo que não por muito tempo, é porque foi capaz de descobrir na rosa as palavras de Padre Fábio, foi capaz de ver depois da sua utilidade o seu significado, a sua inutilidade e ainda assim continuou a amá-la. Este texto, mesmo sendo inútil, tem um papel, ainda que ninguém o leia, ele cumpriu em mim que o escrevo o papel de desabafo.

Enquanto a você, como tem edificado sua vida? Tem optado por ser poesia ou papel higiênico? ... Finalizo utilizando do sentimento que classifiquei como essencial no prelúdio das minhas palavras: a
FÉ. Faço a mesma prece que o Padre, que eu possa envelhecer ao lado das pessoas que me amem, aquelas pessoas que possam me proporcionar a tranquilidade de ser inútil, mas ao mesmo tempo sem perder o valor. Que eu tenha na minha velhice aqueles que me ponham e me tirem do sol...
*Diretora Regional da UNE – União Nacional dos Estudantes
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