18 agosto 2015

Na política e na vida, a serenidade é necessária

Turbulências nas alturas

Luciano Siqueira, no Blog da Folha

É nas alturas mesmo a que me refiro, via aérea, e não à altura alcançada pelas turbulências econômicas e políticas que marcam a fase atual de instabilidade no País.

Na economia e na política, mesmo quando prolongadas as turbulências, há sempre uma esperança de que um pouco adiante as coisas se resolvam, de uma forma ou de outra, e a normalidade retome o seu curso.

Assim espero que seja o desdobramento da crise brasileira de agora.

Respeitadas as regras democráticas em vigor, preservado o mandato da presidenta Dilma e recuperadas as condições de governabilidade mediante o entendimento entre as forças que governam e parcelas dos que recentemente têm contribuído positivamente, através do diálogo, em busca de uma agenda que contemple o governo, o Parlamento, o empresariado e os movimentos sociais.

Com a consciência de que o caos institucional comprometeria a retomada do crescimento econômico e a ninguém serviria.

Pois bem. Nas alturas, em pleno voo São Paulo-Recife, atravessamos um prolongado período "de instabilidade momentânea" (segundo informa, com voz melosa, a comissária de bordo), intermediado por solavancos que lembram o catabiu de um carro transitando em rua esburacada.

- São os ventos de agosto, que são muito fortes, diz a senhora ao meu lado, com voz trêmula e visível desassossego.

- Meu Deus!, exclama em seguida, assustada com um balançar mais severo da aeronave.

Confesso que essas turbulências não me incomodam, acostumado que estou com as ditas cujas. Quem vai à Brasília, por exemplo, sabe que por alguns minutos acontecem, invariavelmente.

Não me assustam certamente porque confio na segurança dos voos e, talvez, pela consciência de que nada posso fazer...

O fato é que desta vez me animei a tomar notas para registrar o episódio aqui, para estranheza da assustada passageira:

- Escreva não, moço, espere que "isso" passe, como se a minha indiferença aumentasse o nervosismo dela.

Parei de escrever. 

- O senhor não tem medo?

- Não.

- Nenhum medo mesmo?

- Não, isso é normal. A senhora mesmo disse que são os ventos de agosto?

- Eu disse porque ouvi falar, mas morro de medo. Veja como minhas mãos estão geladas...

- Tenha calma, vai passar. Logo voltaremos à estabilidade e a senhora ficará tranquila.

- Tranquila, eu, nunca! Nem olho pela janela, olho mesmo é para o relógio, contando os minutos que faltam para terminar a viagem.

Realmente, para quem teme aqueles movimentos bruscos do avião a uma altura de alguns quilômetros, desta vez foi punk. Demorou uns quarenta minutos. 

- Minhas mãos estão secando, avisa minha angustiada companheira de viagem. Mas logo e, seguida, arremata:

- Mas já estão gelando de novo, o senhor não está sentindo que "aquilo" está voltando!?

- Não.

- E está vendo como o vizinho aqui dorme tranquilo, nem liga!, referindo-se ao passageiro do assento da janela, cujo sono profundo, nessas circunstâncias, parece uma irresponsabilidade. Um acinte. 

O medo é tamanho, que ela evita falar em turbulência ou instabilidade. Palavras tão graves como câncer e tuberculose, que minha mãe não pronunciava jamais, com receio de chamar doença. 

Porém, enfim, seguimos o voo tranquilamente e eu pude voltar ao teclado do iPad sob o olhar desconfiado dela.

Veio o serviço de bordo, trocamos palavras amenas e eu pude observá-la melhor: presumíveis cinquenta anos, bronzeada, olhos esverdeados penetrantes, cabelos louros longos, traços físicos bem desenhados. 

O que me leva a perceber o quanto o medo pode ofuscar a beleza de uma mulher. Sobretudo a cinco quilômetros de altura, quando há turbulências a bordo.

Ilustração: nuestroclima.com 

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