21 fevereiro 2016

Processo civilizatório

Democracia e Direitos Humanos: uma gramática universal

Por Manoel Moraes*

A democracia na perspectiva dos direitos humanos é uma construção histórica, cultural, social, econômica e política. As gentes e suas múltiplas culturas abordaram o problema do poder considerando dois fatores decisivos: sua origem [de onde surge?] e sua filosofia. A resposta invariavelmente dirá respeito à busca do controle político e social.
O Estado-nação, enquanto projeto político, surge exatamente para consolidar uma visão de poder em que o Estado controla os anseios e desejos do povo. E estabelece mediação entre o coletivo e o indivíduo: surgem os direitos civis e políticos, consolidando princípios como o do público e do privado; a garantia da ampla defesa e do contraditório, e um sistema jurídico profissional e independente.
Dois pilares desse Estado mediador: a legitimidade e o contrato social. Passam a estruturar o grande edifício da democracia moderna. A ideia de leis aprovadas por um parlamento eleito pelo voto (secreto e sem imposições) é garantidor da qualidade com que uma sociedade consolida seu sistema de justiça. 
É nesse processo que as relações político-jurídicos vão se adensando e produzem uma trama de interesses bastante complexa e utilitarista. Como destaca Höffe (2005, p.42), “O utilitarismo é compreendido como a ética do bem-estar coletivo de efeito mais vigoroso”. 
O sistema político utilitarista promove uma racionalidade focada na intrínseca contradição entre a liberdade e o controle. É desse processo que surge a metáfora do contrato social onde os indivíduos abrem mão de suas vontades soberanas para assimilar a auto-obrigação voluntária.
Na prática, estamos saindo de uma leitura moral do poder para consolidarmos um equivalente a racionalidades deliberativas, seja direta ou indireta. E para consolidar estes mecanismos de legitimação é fundamental a institucionalização do poder do Estado. Que, para se firmar diante dos seus cidadãos, vai aumentar a sua capacidade de atuação e consequentemente estabelecer uma maior valorização do seu papel jurídico e político.
O que temos de novo quando falamos de direitos humanos é a ideia de um contrato duplo, onde os direitos pactuados em nossa Constituição também podem ser assimilados do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A inversão é no reconhecimento que o pacto de origem pode ter sido unilateral, e com isso imposto.
A consolidação de um direito internacional amplia a responsabilidade dos dirigentes públicos e catalisa uma gramática de referências do dever ser do Estado diante dos seus cidadãos. Logo, o papel das organizações públicas transcende, significativamente, o seu papel de regular comportamentos. Em compensação, é confrontado com limites de sua atuação na esfera pública e privada.
O processo civilizatório dos povos e o aprofundamento das experiências políticas permitirão consolidar um modelo de alteridade, onde o outro é reconhecido em sua dimensão singular ou coletiva, racial ou de gênero. A máxima moral do Estado clássico e totalitário passa a dar lugar à “minima moralia” onde os grupos e minorias devem ser respeitados em sua dignidade e costumes.
A consolidação de uma agenda de direitos humanos está relacionada à real capacidade de diagnosticar as lacunas em nossos processos democráticos. São essas interrupções ou territórios cinza[s] de ausência de direitos que permitem proliferar todo tipo de violências. Então, diante dessa afirmação, não podemos tratar da defesa da vida se não reconhecermos que a vida social, política ou ambiental esteja ameaçada.
O fator determinante para o desenvolvimento do Estado de Direitos é naturalmente a capacidade de ocupar os sentidos de uma pluralidade política de atores sociais que passam agora a exercer o controle do Estado e de suas ações. É nesta mudança estrutural que surgem as ações afirmativas e uma gama de outros mecanismos de direitos humanos capazes de democratizar o Estado e o poder político.
Os Conselhos e suas atribuições legais de controle, fiscalização e formulação de políticas públicas são lugares privilegiados para conseguir convergir divergências, críticas e, por outro lado, mediar processos. Consolidar os direitos humanos é assumir os compromissos internacionais e, ao mesmo tempo, no âmbito interno, consolidar vários sistemas de garantias de direitos econômicos, sociais e culturais.
* Sociólogo, cientista político e bacharel em Direito. Membro da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara e da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
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