26 abril 2016

Um fosso que se aprofunda

Contraste midiático e conflito social
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

Navego por portais noticiosos e sites dos mais importantes jornais da Europa, dos Estados Unidos e da América do Sul.
Faço o mesmo com a grande imprensa nativa.
Meu foco é o noticiário e colunas de opinião acerca da crise brasileira. 
Um tremendo contraste: aqui a mídia hegemônica trata o andamento do pedido de impeachment da presidenta Dilma como algo normal, de acordo com a ordem constitucional — omitindo sistematicamente que a presidenta não cometeu crime e sequer é indiciada; fora do país, analistas de diversas correntes políticas, chefes de Estado e dirigentes de organismos internacionais apontam a ruptura da ordem jurídica, nesse processo, em flagrante golpe jurídico-parlamentar-midiático.
O principal jornal da França, Le Monde, chegou inclusive a pedir desculpas aos seus leitores por inicialmente ter de apoiado, na análise do que se passa no Brasil, na mídia brasileira — reconhecidamente como nitidamente parcial e tendenciosa. 
Uma das redes de TV norte-americana – a CNN - chegou a divulgar reportagem ("Golpe é a chance de quem não consegue vencer a eleição") na qual afirma que, desde a queda do regime militar, os brasileiros se imaginavam livres de golpes. Agora amargam a tentativa desavergonhada de ruptura institucional.
Essas manifestações que se repetem e se avolumam no exterior, entretanto, não parecem encontrar acolhida no Congresso brasileiro. A nação agora se dá conta do fracasso das eleições parlamentares de 2014, do ponto de vista democrático e civilizacional.
Naquele pleito, em razão da miríade de distorções contida na legislação eleitoral e partidária, que permitem o uso e o abuso do poder econômico, o parlamento brasileiro foi verdadeiramente tomado de assalto por uma maioria que ostenta baixíssimo nível de consciência cívica e completa ausência compromisso democrático.
Uma maioria que representa o mais vil corporativismo e interesses pessoais e de pequenos grupos tão inconfessáveis quanto a cada dia mais evidentes.
Ocorre que o espetáculo deprimente das declarações de voto pró impeachment verificado na Câmara dos Deputados no domingo 17, a exemplo da anterior discricionária tentativa do juiz Moro de aprisionar o ex-presidente Lula e posteriormente, pelo mesmo juiz, a exibição em público de grampo telefônico ilegal, arbitrário e criminoso contribuem para expansão crescente da tomada de consciência democrática no país.
Na mesma linha, a nação assiste diariamente ao que se tem chamado "montagem de um possível governo Temer", também com base num misto de fisiologismo rasteiro e de compromisso aberto com o grande capital rentista.
As forças de oposição, inclusive parte dos seus integrantes que outrora pugnaram pela democracia, certamente não medem a dimensão do que constroem agora: uma profunda divisão da sociedade brasileira, que marca o momento atual e certamente dará o tom do conflito social e político daqui por diante, qualquer que seja o resultado da votação no Senado.

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