19 maio 2016

Impasse e retrocesso

Cultura em risco
Ângelo Oswaldo de Araujo Santos, na Folha de S. Paulo

Um impasse foi criado no imenso território da cultura. A reintegração do Ministério da Cultura ao MEC, como proposto pelo governo Michel Temer, não daria vida a uma letra morta há 31 anos.
O Ministério da Educação manteve a sigla, após a emancipação da Cultura, em 1985, porque o "C" não tivera maior significação. Havia ali representado apenas uma secretaria comprimida pelo peso das tarefas educacionais e a força das universidades.
O ex-presidente Fernando Collor errou ao transformar o Ministério da Cultura (MinC), em 1990, em uma secretaria entregue a Ipojuca Pontes e à mestria dos caricaturistas, em meio a protestos de todas as procedências. A maioria dos setores culturais posicionou-se radicalmente contra o governo. Restaurado pelo presidente Itamar Franco, o MinC rendeu-lhe a simpatia da classe artística e o apoio do cinema nacional.
Instalar novamente uma Secretaria da Cultura diretamente vincula à Presidência da República levaria ao palácio uma ação que não é benesse do chefe do Executivo, mas política de Estado.
Emenda à Constituição consagrou o Sistema Nacional de Cultura, que prevê um órgão gestor, o Fundo Nacional e o Conselho Nacional de Política Cultural, entre outros pontos inerentes à ação sistêmica. Todos os Estados da Federação dispõem de um Plano Estadual de Cultura -Minas Gerais se prepara, na Assembleia Legislativa, para votar o último deles.
Numerosos municípios igualmente aderiram ao sistema da Cultura. A extinção do ministério está em conflito com a normativa prevista na Carta Magna.
A verba do Ministério da Cultura em 2015 correspondeu a 0,12% do Orçamento da União. Com recursos relativamente módicos, o governo poderia reavivar os programas contingenciados e aquecer a agenda da cultura, obtendo a atenção de artistas, autores, produtores, grupos e movimentos.
Os chamados Pontos de Cultura e Pontos de Memória, numerosos país afora, são núcleos combativos que podem, caso atendidos após os cortes, estabelecer um processo político de opinião positiva em relação ao novo momento, após uma primeira primeira impressão bastante desfavorável.
O Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura já se posicionou reativamente à proposta do governo. Da mesma forma, o Fórum Nacional dos Secretários de Cultura das Capitais.
Há ainda vários outros fóruns da área de patrimônio histórico e criação artística. Muitos municípios possuem secretarias de cultura. Há cerca de 700 Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural só em Minas.
O governo Temer quer fazer da Cultura apenas um acessório dentro da gigantesca estrutura da Educação, como ocorreu até 1985, ou apêndice palaciano no Planalto, sem meios eficientes de interlocução, pondo fim a um diálogo que concorreu para com o fortalecimento do campo, cuja notável projeção na economia nacional mais uma vez é desconsiderada.
Entre tantos cortes, não se há de abolir a sensibilidade intelectual e artística numa hora tão grave como a que atravessa o Brasil.
ANGELO OSWALDO DE ARAÚJO SANTOS é secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais. Foi presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e chefe de Gabinete de Celso Furtado no Ministério da Cultura (1986-1988)

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