08 agosto 2016

"Com muito orgulho e muito amor"

Porque o povo fez a festa na abertura da Olimpíada
Por Haroldo Lima*, no portal Vermelho
Quando tudo já tinha acontecido, quando toda a beleza estética já se exibira e a diversidade étnica e cultural fizera sua festa, na memorável “abertura” da Olimpíada no Maracanã, quando as mensagens ecológicas já tinham se espraiado e a estrondosa vaia contra o intruso Temer já fora escutada, eis que um grito de guerra ecoa no grande estádio: “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Era o sinal de que o espetáculo tinha sido aprovado e o povo estava de pé.
Mas, por que a multidão, presente na arena histórica e fora dela, tanto se empolgou? Sem dúvida o gigantismo do espetáculo, a magia das cores esfuziantes, dos ritmos, fogos, sons, efeitos especiais, as bandeiras em desfile e o desfile de atletas festejados, tudo realçava a capacidade nativa de realizar coisas belas e grandiosas e enchia a todos de orgulho. Mas não foi só isso.
É que predominou, na noite serena da solenidade festiva, o jeito brasileiro de ver as coisas, e duas mensagens, radicalmente progressistas, foram enviadas ao mundo: a de que é possível e bom “celebrar as semelhanças e, principalmente, as diferenças”, como disse a apresentadora Regina Casé, e a de que é preciso preocupar-se com a vida, com o meio ambiente e com o planeta que nos agasalha. Sim, não foi apenas o tamanho da festa que nos empolgou, foi o que a festa conseguiu transmitir aos povos ali representados, especialmente que a beleza e a alegria são filhas da diversidade, e que a mistura que se respeita e busca melhorias, sem esmagar seus componentes, tem uma força inestimável.
Esses pensamentos eram confirmados com o espírito olímpico da cerimônia. As diferenças culturais e étnicas apareciam com as delegações, heterogêneas no vestir, no falar, na cor da pele, mas homogêneas, através do esporte, na igualdade das oportunidades, dos direitos, deveres, poderes e sonhos.
A história de nosso país foi referida em seus grandes marcos, embora não contada no desenrolar de suas contradições. Mas lá estavam, a floresta e seu povo, nossos índios. As caravelas chegando com os portugueses. Os negros e o trabalho escravo. Os árabes, os japoneses e outras levas de imigrantes. Depois, a urbanização, a formação das cidades, o labor dos que a criaram, em meio aos riscos e infortúnios cantados na “Construção” de Chico Buarque.
A criatividade do povo mestiço que assim surgiu foi retratada, talvez no engenho mais expressivo inventado por um brasileiro, o “14 Bis” de Santos Dumont, que revolucionou os tempos e que, mais de um século depois de sobrevoar Paris, saiu voando de novo, com seu inventor e tudo, agora, de noite, sobre as paragens resplandecentes da Cidade Maravilhosa.
Lá estava a graça da Gisele Bündchen, a nova garota de Ipanema, sumamente esguia e simpática, desfilando como uma garça por entre as curvas exóticas de Niemeyer. E Paulinho da Viola, e Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Anitta, Zeca Pagodinho, Elza Soares e outros, e as vozes milimetricamente cadenciadas de Fernanda Montenegro e Judi Dench, recitando Carlos Drummond de Andrade.
O apelo ecológico foi posto com ênfase e sementes de árvores foram distribuídas e plantadas. Nunca aconteceu isto em abertura de Olimpíada. E o verde apareceu de repente conformando os cinco arcos entrelaçados da conhecida marca da Olimpíada.
Na reta final, quando a tocha peregrina entrou no estádio repleto, ainda apareceram Gustavo Kuerten,o Guga, sorrindo e chorando, e Hortência Marcari, ícone do basquete mundial, e Vandarlei Cordeiro de Lima, o maratonista retirado à força na hora da vitória na Olimpíada de Atenas em 2004, que foi quem acendeu a pira olímpica.
Mas o respeito às diferenças não significava passividade no enfrentamento dos agravos, insultos e tramóias. Tanto sim que, quando a multidão conseguiu vislumbrar quem sorrateiramente usava da palavra sem se identificar, de imediato prorrompeu em sonora vaia contra o intruso, que era o chefe do golpe de estado em andamento no país, o atual presidente ilegítimo dos brasileiros, Michel Temer.
Aquela abertura da Olimpíada, naquela noite de 05 de agosto passado, no Maracanã, pelo jeito como foi feita, serviu para “lavar a alma” dos brasileiros, como diz nosso povo. Porque vivemos momentos ruins.
Nos últimos tempos, uma maré montante de atraso e obscurantismo cresceu, e seus partícipes assentaram-se no Congresso, invadiram tribunais, aboletaram-se no comando da grande mídia. Claro que não conseguiram tudo, sobraram as exceções. Mas o predomínio foi do atraso, da farsa, da hipocrisia, da mentira.
Um surto corrupto foi desmascarado e logo usado como pretexto para justificar a política do atraso, proteger corruptos amigos, supostamente para atacar corruptos adversários. A mentira, acobertada por maiorias circunstanciais de comissões e plenários, foi esculpida e apresentada como resultado de discussões sérias, e contudo era embuste, ardilosamente preparado para golpear as instituições, tirar proveito político, proteger corruptos amigos e afastar uma presidenta eleita.
No desenvolvimento de tanta impostura, foi-se levando trabalhadores e pessoas honestas a caírem na defensiva, intimidados.Empresas como a Petrobras foram postas em suspeição. A engenharia nacional foi quase toda desfeita, abrindo caminho para as grandes empresas estrangeiras.
A atividade política, por onde o povo exercita a democracia, foi sendo criminalizada e os políticos sérios ameaçados de terem que sair da política, posto que a mídia divulga incessantemente que a política é antro de criminosos. E, contudo, são os criminosos que estão mandando e tomando de assalto o Poder da República.
O ambiente é cinzento. Depois de derrotar uma ditadura militar, às vezes de armas nas mãos, o povo sente agora a ameaça de uma ditadura togada e se lembra de um dos construtores da República, o grande baiano Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário”, disse Rui. E se essa é a pior ditadura, seus agentes se locupletam: procuradores assumem um poder descomunal, assentados em salários extraordinários, com as exceções de praxe. O Supremo manobra e ante um país financeiramente quebrado consegue, sem discussão prévia, um aumento salarial incomparavelmente superior ao de um trabalhador comum.
Para deixar mais desguarnecido o povo e mais abertos os caminhos da manipulação e do despotismo, a frente reacionária, com a mídia no posto avançado, faz tudo para desmoralizar a nacionalidade, divulgando que aqui nada dá certo, disseminando o pessimismo, o negativismo, e o denuncismo. E bota lá em baixo a auto-estima do brasileiro.
É nesse quadro que ocorre a abertura da Olimpíada, à margem da orientação do Governo ilegítimo.
Algumas ausências foram sentidas. Lá não estava Lula, responsável principal pela vinda da Olimpíada para o Rio. Lá não estava Dilma, a presidenta eleita, sitiada em Brasília, em cujo governo a Olimpíada foi praticamente construída. Lá não estavam, porque o ambiente não permitia.
Mas a presença do representante máximo do golpe que está truncando a democracia brasileira não pode ser anunciada, foi ocultada, e quando ele, ousadamente, resolveu dizer duas frases, não as concluiu, foi vaiado estrepitosamente e teve que se esconder.
E foi aí que o povo em uníssono bradou: “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.
*Haroldo Lima é do Comitê Central do PCdoB.

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