19 agosto 2016

Cumplicidade midiática

100 dias de Temer, um governo abençoado pela tolerância
Cintia Alves, Jornal GGN
Nesta sexta-feira (19), a Folha de S. Paulo publicou uma página inteira no caderno Poder dedicada a um balanço raso do governo de Michel Temer (PMDB), que sobreviveu aos 100 primeiros dias sem grandes arranhões. Pudera. A blindagem da grande mídia, um dos setores que patrocinou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), é parte do roteiro.
João Feres Junior, quando da edição fraudulenta de uma pesquisa do Datafolha para dar a Temer alguma aceitação entre populares, disse ao GGN que a imprensa vive um "esforço duplo". "Tem de elogiar Temer ou fazer cobertura neutra, com destaque para política econômica ou coisas positivas e, ao mesmo tempo, tratar Dilma como passado."
Temer, como uma peça "café-com-leite" no jogo político atual, goza da tolerância da imprensa com seu governo até que a presidente eleita seja afastada definitivamente e suas ações não sejam questionadas por falta de legitimidade, apontou o cientista político.  
Com esse mesmo pensamento, o mercado, outro setor responsável por Temer sentar hoje na cadeira que pertence à Dilma, também faz vista grossa aos passos desastrosos do interino na economia - como a aprovação de aumentos salariais para servidores quando a promessa era de ajuste fiscal dos duros.
Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, subiu o tom contra essa agenda com "sinais trocados" na economia, para lembrar a Temer que ele tem uma fatura a quitar - e não é apenas com deputados e senadores que votaram a favor do afastamento.
Se comparada com o que foi durante as semanas que antecederam o início do processo contra Dilma na Câmara, até a Lava Jato parece ter dado uma folga a Temer. Depois de derrubar alguns ministros - entre eles, Romero Jucá (PMDB), que continua mostrando poder de fogo dentro do governo - a força-tarefa desacelerou os vazamentos, um de seus instrumentos políticos.
Em março, quando o impeachment caminhava para apreciação dos deputados, a Lava Jato bateu recorde de capas da Folha com denúncias que criaram o clima para o impeachment. No governo interino, para o descontentamento dos petistas que apostavam na operação como fator imprevisível para sacudir o governo Temer, nada aconteceu. 
Nem a pré-delação da Odebrecht, em que Temer aparece pedindo R$ 10 milhões para a contabilidade extraoficial do PMDB, botou medo no Planalto - que fez questão de divulgar a versão de que caixa dois de campanha não é crime com alto potencial punitivo no Brasil. Tampouco foi motivo para bateções de panelas e protestos na Paulista.
Na quinta (18), em entrevista à imprensa internacional, Dilma pareceu reconhecer que as ruas também não fizeram o barulho esperado diante do atentado à democracia que é o impeachment sem crime de responsabilidade fiscal provado. Sequer houve consenso entre os setores progressistas que apoiam o "Fora, Temer" - metade saiu em defesa de novas eleições; metade, não. E "tudo bem", disse a presidente. É só prova de "pontos de vista divergentes".
O que não pode, segundo a presidente, é haver silêncio diante dos "retrocessos".
O primeiro deles, segundo ela, foi escalar um ministério sem representatividade para negros, mulheres e outros segmentos que não de homens, brancos e ricos. Temer lançou-se na presidência acompanhado de um primeiro escalão "notável". Um terço é citado em alguma investigação criminal. Mais da metade é indicação de partidos que apoiaram o impeachment.
O corte de pastas para mostrar compromisso com a boa gestão de recursos públicos também não foi bem digerido por setores da sociedade. Sob protestos, Temer teve de recuar com a extinção do Ministério da Cultura. 
Enquanto isso, os demais ministérios seguiram promovendo uma faxina geral para demitir comissionados herdados do governo Dilma. A ideia era "desaparelhar" o Estado.
Desaparelhar também foi palavra usada na EBC, quando esta começou a sofrer interferência política com a troca de seu presidente. Após a judicialização da disputa, Temer prometeu desmontar a empresa pública de comunicação via Medida Provisória, a ser lançada no próximo mês.
O atentado à imprensa independente, com corte de verba para blog e sites acusados de "alinhamento com o PT" saiu em uma semana. Cerca de R$ 11 milhões em contratos publicitários foram suspensos por uma suposta "economia" que não representa nem 1% do orçamento da Secretaria de Comunicação da Presidência.
Outro "retrocesso" citado constantemente por Dilma são as mudanças aplicadas no regime de partilha do pré-sal, além da implementação de uma política dita "bilateral e subserviente ao imperialismo" no plano internacional, adotada por José Serra (PSDB) no Ministério das Relações Exteriores. 
Na saúde, o medo de "desmonte" também é grande, segundo a petista. O governo interino lançou a ideia de criar um convênio popular, visto como uma maneira de desmontar o SUS (Sistema Único de Saúde). Uma comissão já foi instaurada para tirar esse projeto do papel.
Saltam aos olhos as políticas adotadas no Ministério da Educação que, agora se dizendo voltado para os ensino médio e fundamental, paralisou programas de fomento no âmbito do ensino superior. Da mesma maneira, políticas como Minha Casa, Minha Vida mudaram de foco: agoram passam a atender um público alvo que, em tese, tem condições de pagar seu próprio financiamento.
Mudanças na aposentadoria privada e nas leis trabalhistas também estão no forno, pois não é mais possível cruzar os braços diante do rombo da Previdência nem diante do desemprego - que continuou crescendo sob Temer.
Essas reformas, assim como a política - com o objetivo de reduzir o número de partidos políticos e, quem sabe, dar anistia aqueles que temem ser pegos por caixa 2 na Lava Jato - devem entrar na pauta após as eleições municipais. Este é o mesmo prazo para que Temer lance seu plano de concessões e privatizações.
Se os primeiros 100 dias Temer pôde levar, em grande parte, em banho-maria, certo é que o fim do impeachment vai lhe cobrar mudanças duras e na mesma velocidade com a qual ele foi de vice decorativo a presidente da República.

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