07 dezembro 2016

Lances da crise

Xadrez da teoria do caos
Luis Nassif, no Jornal GGN 
Peça 1 – guerra entre poderes
O quadro atual transcende as análises lógicas, as correlações racionais. O golpe em cima do pilar máximo de uma democracia – o mandato de uma presidente eleita – desestruturou o equilíbrio institucional do país.
Os eventos se sucedem aleatoriamente e criam uma dinâmica própria, sem que surjam forças moderadoras. Procuradores insuflam as ruas, presidente de Supremo se comportam como líder sindical, no Executivo um presidente tatibitate cercado de assessores do pior quilate. E, nessa salada, uma confluências de episódios potencializando a crise.
Na segunda-feira, o Ministro Marco Aurélio de Mello tomou a decisão isolada de acatar a liminar da Rede e afastar o presidente do Senado. Havia antecedentes no próprio caso Eduardo Cunha. Aceita a denúncia contra Cunha, não poderia mais ser titular de um cargo – no caso, Presidência da Câmara – na linha da sucessão presidencial. Sucedeu o mesmo com Renan, com algumas especifidades.
Há procedimentos políticos a serem respeitados. No caso, decisão desse calibre, que envolve um conflito entre poderes, não poderia ser tomado individualmente por nenhum Ministro.
Como resposta, o Senado decidiu não acatar a liminar, afirmando que aguardaria a manifestação do pleno do Supremo.
Nesta quarta-feira, o pleno do Supremo analisará a liminar de Marco Aurélio. Há três possibilidades:
Hipótese 1 - Acatar integralmente o voto de Marco Aurélio de Mello.
Hipótese 2 - Acatar em parte: ele continuaria na presidência do Senado, mas não poderia se habilitar à linha sucessória.
Hipótese 3 - Não endossar a liminar.
Hipótese 1 é defendida por Marco Aurélio. A linha sucessória tem que ser analisada como um bloco único, no qual não poderia haver autoridades processadas.
Hipótese 2 é de Celso de Mello: o político processado pode permanecer no cargo até o momento que se configure qualquer forma de sucessão. Só seria afastado nessa hipótese.
Com a decisão do Senado de não acatar a liminar – embora em uma nota ponderada, informando aguardar a decisão do pleno – decide-se a questão: o Supremo endossará integralmente a Hipótese 1.
No final da tarde, os Ministros estavam imersos em dúvidas institucionais: e se o Senado não acatar? O Supremo convocará força policial para cumprir a determinação? O Senado manterá Renan na presidência, mesmo correndo o risco de todas as decisões serem anuladas?
A maior probabilidade é do Senado acatar a decisão final e afastar Renan. Trata-se do mais grave conflito institucional desde a redemocratização e a humilhação imposta ao Senado, com sua autoridade sendo questionada não por Marco Aurélio, mas pelos moleques da Lava Jato, deixará sequelas que perdurarão no tempo.
Peça 2 – a autocontenção e a Presidente sem noção
A Suprema Corte norte-americana adota o sistema da autocontenção. Ou seja, as votações devem observar o momento, as circunstâncias, para não atiçar os ânimos, em tempos de conflagração política ou social.
Aliás, foi a observância desse princípio que levou o Ministro Teori Zavascki a adiar por tanto tempo a decisão sobre Eduardo Cunha, com efeitos deletérios sobre a democracia, saliente-se.
Agora, tem-se na presidência do Supremo uma Ministra, Carmen Lúcia, obcecada por manchetes, sem noção dos impactos de suas palavras e atos sobre o ânimo nacional.
Em meio ao terremoto pós-impeachment, colocou sucessivamente na pauta o julgamento de Renan Calheiros, a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) sobre a manutenção no cargo de presidente do Senado para alguém processado.
Fez mais, ao contrário do que apregoou em sua posse, não definiu um prazo para os pedidos de vista. Com seu pedido de vista, Dias Toffoli paralisou o julgamento da admissibilidade de abertura de processo contra Renan, provocando a irritação de Marco Aurélio.
Carmen Lúcia só não colocou em votação com a ação de José Eduardo Cardozo questionando o mérito do impeachment, porque ela tem lado.
Assim, cria-se o caos rapidamente:
1.     Renan anuncia a intenção de apurar salários acima do máximo constitucional e a lei contra abuso de autoridade.
2.     Há uma reação de alguns setores do Judiciário e , imediatamente, Carmen Lúcia se apresenta como a frasista sindical, sem a menor noção sobre o peso institucional do cargo, e coloca em pauta o julgamento de uma das ações contra Renan.
3.     Nos momentos seguintes, os procuradores da Lava Jato colocam lenha na fogueira, mirando no presidente do Senado.
4.     A turba assimila o discurso e investe contra Renan.
5.     Marco Aurélio aceita a liminar e ordena o afastamento de Renan.
6.     O Senado reage e não aceita a ordem, aguardando o julgamento do pleno.
7.     Para não criar um grave precedente – uma ordem do Supremo desobedecida –o Supremo deverá engrossar na decisão.
8.     Ao mesmo tempo, o Procurador Geral da República pede o afastamento de Renan e Romero Jucá, as duas âncoras de Temer no Senado.
9.     Gilmar Mendes atropela todos os limites, ataca Marco Aurélio, opina sobre matéria que irá julgar e consolida-se definitivamente como o intocável – para vergonha de um Supremo tíbio, que há tempos deveria ter imposto limites em sua atuação alucinada.
E, nessa balbúrdia inédita, uma presidente de Supremo sem noção que poderá irromper a qualquer momento com uma frase de efeito, açulando ainda mais os ânimos, acrescida de um Ministério Público sem comando.
Peça 3 – os desdobramentos
Como salientado no início, não há mais previsibilidade nos eventos políticos e econômicos.
De mais certo, tem-se o fracasso precoce do governo Temer e do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles – uma espécie de Felipão da economia. Temer se tornou disfuncional.
Ao mesmo tempo, há indefinição completa sobre os próximos passos. De um lado, o PSDB ajuda na desmoralização de Temer, mas não ousa pegar para si o cálice da recessão econômica. A imprensa se tornou uma biruta de aeroporto. Não mais conduz: passou a ser conduzida pela irracionalidade das ruas.
Nas ruas, há pólvora no ar, tanto pela ultradireita comandada pela Força Tarefa da Lava Jato, quanto dos funcionários públicos sem salários no Rio de Janeiro e, em breve, por outros estados da federação.
O jogo se encaminha para duas possibilidades:
1.     A localização de um nome capaz de conduzir a transição. Até agora, o mais forte é o de Nelson Jobim.
2.     A possibilidade de eleições diretas, cada vez mais concreta.

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Um comentário:

Diógenes Sá disse...

Um erro não justifica outro. O que o ministro Marco Aurélio fez ao depor o presidente do Poder Legislativo, quando não tinha amparo constitucional, foi uma violência descomunal, tal como um atentado terrorista à democracia. A situação foi tão grave que outro ministro também do STF sugeriu o impeachment do Marco Aurélio. Não há semelhança entre o caso Eduardo Cunha e Renan Calheiros. O Eduardo Cunha era presidente da Câmara e não de todo o Poder Legislativo. Um ministro do STF de forma isolada determinar a destituição do presidente do Congresso ou do Legislativo é um absurdo, mesmo tendo razões legais para isso. A constituição não lhe dar este poder. Imagine um ministro qualquer do STF decidir amanhã ou depois depor o presidente do Poder Executivo ou do Próprio STF. Esta é uma situação impensável. Se o caso exigia a destituição do presidente de outro Poder da República, neste caso, do Poder Legislativo, o ministro do STF deveria ter encaminhado a questão para o plenário do STF e a decisão do plenário do STF teria de ser levada ao Congresso Nacional para que o presidente do Congresso ou do Legislativo fosse afastado imediatamente e depois destituído obrigatoriamente por meio de impeachment. Esta seria a analogia possível com o que a Constituição determina para o afastamento do presidente do Poder Executivo, afinal os poderes da República são autônomos e independentes, segundo a Constituição fundamentada na separação dos poderes, teoria que se firma no princípio de que os três poderes que formam o Estado (Poder legislativo, executivo e judiciário) devem atuar de forma separada, independente e harmônica, mantendo, no entanto, as características do poder de ser uno, indivisível e indelegável. Assim o STF estaria seguindo o ritual orientado pela Constituição. Está se tornando uma rotina a desobediência a Constituição praticada pelos ministros do STF. Esta situação não poderia e não pode se perpetuar. É imprescindível que as instituições voltem a respeitar e cumprir a Constituição brasileira. A toda hora autoridades brasileiras do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal, Ministros de Estado e outras autoridades estão desrespeitando a Constituição. A República brasileira não terá como se manter na democrática diante dessa situação. Estamos assistindo a uma baderna generalizada.