16 março 2017

É possível impedir a reforma?

As ruas e o Parlamento
Luciano Siqueira 

Cerca de um milhão de pessoas protestaram ontem em quase todas as capitais e muitas cidades do país contra a reforma previdenciária proposta pelo governo Temer.

O relator da matéria na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), declarou que as manifestações em nada alterarão o seu relatório.

Será?

O relatório do deputado governista baiano pode até não se alterar em sua essência sob a pressão das ruas. Mas no percurso de sua tramitação pode vir a sofrer mudanças substanciais ou mesmo a PEC fracassar quando votada em plenário.

É evidente que a correlação de forças atual no Congresso é francamente favorável ao governo. A maioria, flagrantemente conservadora e oportunista, vem dando respaldo à agenda regressiva de Temer.

Entretanto, em nossa História recente há exemplos marcantes de inversão de tendência no Parlamento sob a pressão das ruas.

O Congresso que sequer deu quórum para a votação da emenda das eleições diretas para presidência da República — porque majoritariamente apoiava o regime militar —, em 1984, menos de um ano após deu maioria a Tancredo Neves contra Paulo Maluf e derrotou o mesmo regime militar.

À época, foram decisivas as crescentes manifestações públicas de apoio à candidatura indireta de Tancredo e a divisão das hostes governistas.

E a correlação de forças se inverteu.

Agora o cenário é outro e a batalha que está em curso também assume grande envergadura. Não se trata apenas de impedir a reforma previdenciária nos termos propostos, trata-se do enfrentamento de todo o desmonte de conquistas e direitos encetado por Temer, sob inspiração neoliberal.

O movimento que ocupou as ruas ontem ainda carece de descortino mais amplo e de unidade, é verdade, mas pode vir a crescer muito desde agora.

O ataque a conquistas e direitos atinge o bolso, as condições de vida e as expectativas da grande maioria da população que, gradativamente, adquire consciência disso.

E na esfera parlamentar, a maioria governista não é tão coesa como parece e provavelmente será sensível ao risco de desgastes na votação de proposições tão impopulares — isto quase às vésperas das próximas eleições. 

Daí o desafio de seguirmos adiante na mobilização do povo nas ruas (e nas redes) e, ao mesmo tempo, travarmos o bom combate em âmbito parlamentar, esgrimindo com o máximo de consistência e habilidade, escoimando-se da pressão sobre os parlamentares comportamentos meramente "denuncistas" ou desaforados.

Enfim, a luta que hoje travamos há que buscar inspiração nas lições do passado e se alimentar da compreensão exata da correlação de forças e da dimensão atual do desafio tático.

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