16 maio 2017

França: qual o rumo?

A euforia alemã (e da Globo!) ante o resultado das eleições na França

José Carlos de Assis, no Jornal GGN

Em sua autobiografia parcial “Times of Upheavel”, o então Assessor de Segurança Nacional dos EUA Henry Kissinger, que acompanhava o presidente Richard Nixon numa visita à França no início dos anos 70, perguntou candidamente a De Gaulle como seria possível evitar o domínio da Europa pela Alemanha num eventual integração europeia. De Gaulle, sem se dignar olhar para Kissinger e fixando Nixon, disse secamente: “Par la guerre!”
Não será tão simples. A Alemanha praticamente escravizou a Europa  com a imposição de suas políticas neoliberais contracionistas através do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, que domina. O continente está mergulhado desde 2008 numa crise de recessão ou contração, impedido por Berlim de qualquer reação eficaz. O fracasso de Hollande foi justamente de não cumprir promessas de investimentos em campanha por bloqueio alemão.
A ambiguidade das eleições na França é que os maiores entusiastas com o resultado foram os alemães. Justifica-se. A Alemanha é a grande beneficiária do euro. A definição da nova moeda implicou uma desvalorização do velho marco, acentuando o caráter exportador e superavitário da economia alemã. Com a entrada na economia interna dos superávits comerciais, o aumento da liquidez favorece a atividade econômica e o crescimento.
Em países que, antes do euro, as antigas moedas eram mais fracas que o marco alemão, a moeda única resultou em efetiva valorização do padrão monetário reduzindo a competitividade externa e a capacidade exportadora. Com isso, a esmagadora maioria dos países do euro e, por reflexo, da União Europeia se tornaram importadores líquidos, dependentes de empréstimos (alemães) para fechar seus balanços de pagamento.
O mais grave, porém, não tem sido isso. Afogados por dívidas, os países só poderiam retomar investimentos caso pudessem ampliar ainda mais, temporariamente, a dívida pública a fim de financiá-los. Contudo, o BCE e a Comissão Europeia não deixam, cumprindo os ditames da banca privada que se opõe a aumento de gastos reais do Estado. Normalmente, um país recorre a déficit anticíclico para financiar o investimento na expectativa de fomentar o crescimento econômico  e, em último caso, reduzir a dívida com maior receita tributária.
Para isso funcionar, é preciso que os países se beneficiem de juros razoáveis no mercado para financiar o déficit temporário a fim de evitar a explosão da dívida. É isso que o BCE não permite. Com sua política rigorosa de estreitamento da liquidez, os juros de mercado tendem a subir exageradamente, impossibilitando, na prática, a tomada de novos créditos pelos governos que ficam impossibilitados de realizar investimentos. 
De fato, em lugar de facilitar o financiamento de investimentos públicos novos o BCE, a Comissão Europeia e o FMI (troika) impõem aos países endividados programas rigorosos de austeridade para reduzir a relação dívida/PIB. Um estudo recente publicado pela VoxEu mostra de forma inequívoca o fracasso dessas políticas. O investimento cai, sim, e com ele a receita tributária. Em consequência aumenta a relação dívida/PIB.
As eleições francesas mostraram a decepção do povo com as políticas neoliberais comandadas pela Alemanha. O fato de ter ganhado um europeísta não significa grande coisa quando se contam, além dos votos de Le Pen, os brancos, nulos e abstenções. Aparentemente a França repudia a extrema direita, mas despreza igualmente o centro e está claramente inclinada a romper com o neoliberalismo. A isso os alemães e a direita a serviço da banca chamam de renascimento do nacionalismo e do populismo.
Por outro lado, a ausência da esquerda no segundo turno indica a pobreza propositiva de políticos que na verdade não estão conseguindo entender nada do que está acontecendo no bloco, desde a Grécia ultra-vampirizada pelos alemães até a Itália e mesmo França em recessão permanentes por causa das políticas de austeridade impostas pela troika. Se a integração europeia obedeceu aos alto ideais de evitar novas guerras no continente, seria importante revisitar De Gaulle diante da pressão alemã sobre o que resta das economias nacionais europeias. 
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