02 outubro 2017

Pirotecnia x realidade

Insucesso nas ações contra criminosos é rotina na Grande Rocinha

Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo

Em tempos de prêmios entre acusados/condenados por crimes e autoridades, nada mais natural que, em suas celas, Nem e outros nens pensassem em acordos. Faltaria a motivação a justificá-lo, no precário conceito da distribuição de prêmios.
No caso da Rocinha, mais conturbada desde a vinda do paulista PCC para se apoderar de áreas no Rio, o ataque a alegados traidores foi uma ideia eficiente para gerar clima propício a negociações. Que começaram e prosperavam. Precipitações, desentendimentos, inseguranças abriram campo à ação policial. A Rocinha, diz a voz oficial, voltou à (sua) normalidade.
O Exército foi-se da Rocinha antes que se compreendesse para que lá chegou. Nas condições atuais do país, seria irrazoável esperar resultado correspondente ao dispêndio de dinheiro, energia e propaganda. O país se corrói. Mas, como tudo voltou à mesma na Rocinha e o ministro da Defesa avisa que, "se necessário", o Exército volta, convém pôr alguns tiros nos is.
Por ocasião da Rio-92, a internacional do ambiente, a "segurança" feita pelo Exército plantou um canhão apontado para a Rocinha. Pretendia dar tiros de canhão na população da Rocinha? Alguns por certo consideraram a hipótese, mas não é crível que pudessem consumá-la. Carros de combate, tanques e seus canhões ficaram apontados para muitos pontos habitados da cidade. Bill Clinton, presidente à época, não evitou um comentário pouco diplomático sobre essa segurança "ridícula", como a qualificou.
Desde então, e mais uma vez, repete-se a lerda, custosa e descabida ideia de ação contra a insegurança. O tempo para mover essa máquina é muito grande –e contra adversários rápidos e hábeis. Como ninguém chega às chefias dos bandos por promoção burocrática, mas por mérito, esconderijos, rotas de fuga e defesas não são improvisados. Nem foram "os vazamentos", como invocou Raul Jungmann, a reduzirem as primeiras incursões em favelas, nesta etapa, a uma coleta de armas que caberiam nos bolsos de um único soldado –sem os encher.
O próprio ministro da Defesa, promovendo-se com as repetidas falas sobre as futuras operações no Rio, antecipou a ida dos caçados, com seus armamentos e estoques de drogas, para rotas de fuga e esconderijos seguros.
O insucesso é grande. Ou o Exército se adequa ao adversário que tem ou melhor será poupar o gasto e o desgaste. Nem o seu anunciado cerco sem riscos à Rocinha cercou alguma coisa. Mas preparar-se é necessário, mesmo. A quantidade de armas de combate em mãos impróprias é incalculável. E crescente. A habilitação e a expansão geográfica dos bandos mais capazes provoca sustos a cada constatação, atrasadas todas.
A volta ao agravamento continuado das dificuldades de vida de multidões transfere energia às forças delinquentes – desde o seu início na infância ultrajada ao pai desempregado que precisa de cargas roubadas para seu comércio de calçada e estômago.
A realidade não se esconde. Um fuzil ou revólver na mão de delinquente tem feito mais estrago na sociedade do que todos os indiscriminados fuzis da polícia fazem pela defesa da sociedade. O roubo da pistola de um sargento fez o Exército movimentar 500 soldados para recuperá-la. Passou a ser a pistola mais valiosa do mundo. Embora nada valha para a sociedade e, portanto, para o país, porque a pistola logo roubada de um civil fez o mesmo serviço, para o delinquente, contra a sociedade.
Nas respectivas proporções e pretensões, a ordem de um Marcola ou de um Fernandinho Beira-Mar, vinda da cadeia, é capaz de mais efeitos do que a fala oficial de um Michel Temer na TV.
Se os delinquentes crescem em número e em territórios, a delinquência tem que crescer. Inclusive em outras linhas de ação poderosa. Nada de enganos: esta é a realidade da Grande Rocinha, mais vulgarmente chamada de Brasil. 

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